sexta-feira, 22 de abril de 2022

Incêndios, queimadas e o seguro de florestas na Amazônia

 * Ecio Rodrigues

De forma geral, todos os anos, no período de seca, quando surge o risco de ocorrência de incêndios florestais na Amazônia, o clamor e a gritaria costumam ser intensos. Contudo, as apreensões não se convertem em ações efetivas.

Aqui, importa diferenciar os incêndios florestais das queimadas, eis que muitas vezes os jornalistas (e mesmo uma parcela dos ativistas ambientais) não fazem essa distinção e, equivocadamente, abordam os dois perniciosos eventos como se similares fossem – ou seja, como se correspondessem a duas designações diferentes para a mesma mazela.

Ocorre que, muito embora o fogo ateado para a limpeza de pastos ou roçados possa sair do controle e, uma vez favorecido por fatores climáticos, possa alcançar a floresta, os dois conceitos não se confundem: enquanto a queimada configura prática agrícola de periodicidade anual amplamente empregada no meio rural, principalmente para a renovação de pastos, o incêndio florestal atinge as árvores em seu ambiente.

Tendo em vista que a floresta tropical, por conta de sua umidade, dispõe de natural proteção contra o fogo, trata-se o incêndio de sinistro raríssimo, mas, quando acontece, suas consequências são muito trágicas.

Resumindo, queimada não é sinônimo de incêndio florestal. E vice-versa.

Todavia, a confusão entre um e outro atrapalha bastante as discussões e, por conseguinte, a cobrança por respostas efetivas.

Por sinal, os gestores ambientais se aproveitam desse equívoco para confundir ainda mais a imprensa e, obviamente, desviar do assunto. A imprensa, por seu turno, perde um tempo considerável refutando as quase sempre disparatadas declarações do governo. Enquanto isso, ano após ano os problemas se agravam, sem que se vislumbre saída nem para as queimadas nem para os incêndios florestais.

Mas o tempo urge, é preciso agir. Para chegar a soluções de curto prazo, a política pública deve se guiar por dois caminhos.

O primeiro aponta para a imposição de medidas destinadas a zerar, já em 2022, as queimadas na Amazônia, em especial a decretação de abrangente moratória, proibindo o licenciamento da prática durante todo o período de seca (que vai de maio a outubro).

O segundo, que diz respeito aos incêndios florestais, é bem mais complexo, pois parte do leite já foi derramado. Isto é, de acordo com as evidências científicas, o desmatamento na Amazônia (que é perpetrado, sobretudo, para fins de instalação de pastos) causou a fragmentação de áreas florestais em porções descontínuas – o que, no caso de determinadas localidades e sob determinadas circunstâncias, cria condições propícias à deflagração de incêndios.  

Significa dizer que nessas localidades – algumas das quais, inclusive, como a Reserva Extrativista Chico Mendes, já foram objeto de projetos de pesquisa – o risco de a biodiversidade florestal vir a ser consumida pelo fogo é elevado.

Não se pode esquecer, afinal, que uma conjugação de fatores como umidade relativa baixa, longo período sem chuva e queimadas de pasto no entorno resultou na catástrofe que teve lugar no Acre em 2005, quando mais de 200.000 hectares de florestas arderam em chamas.

Em tal contexto, uma alternativa disponibilizada nos Estados Unidos e na Austrália, países onde as florestas (nativas e plantadas) estão sujeitas a permanente ameaça de incêndios, é o seguro rural.

Certamente o debate em torno da securitização de áreas de floresta nativa da Amazônia é muito recente, revestindo-se de extrema complexidade – a despeito da experiência acumulada pelas companhias seguradoras na análise de risco.

Não à toa, essas organizações já desenvolveram metodologias voltadas para quantificar e precificar o risco de sinistro em relação às florestas plantadas do Sul e Sudeste do país.

Pois bem, o desafio é trazer essa experiência para o espaço amazônico, onde a floresta nativa, por um lado, coexiste com a pecuária extensiva (que emprega a queimada de forma corriqueira) e, por outro, sofre os efeitos da seca extrema, causada, por sua vez, pelo desequilíbrio do clima.

Na realidade da Amazônia, a legislação permite que o produtor faça uso da queimada todos os anos, mas quando o fogo extrapola o pasto e avança sobre a reserva legal, favorecido pelas condições climáticas, o que era queimada pode se transformar em incêndio florestal.

Se a queimada representa uma ação intencional e premeditada de aproveitamento do fogo, um incêndio florestal adquire proporções de tragédia, causando prejuízos exorbitantes.

 A pergunta a ser respondida é de que maneira é possível determinar, no que respeita ao sinistro incêndio florestal, o risco decorrente da ação humana, ao desmatar e queimar, e ao mesmo tempo, o decorrente dos fenômenos El Niño e La Niña.

Ao que se observa, as empresas de seguro ainda resistem em aceitar as calamidades originadas das alterações climáticas como passíveis de previsibilidade sob algum grau de certeza.

Sem embargo, já existe demanda a motivar a aplicação das metodologias de análise de risco e de elaboração de plano de contingência em face dos incêndios florestais, o que abre espaço para um novo e importante campo de atuação das seguradoras.

Encerrando, a criação extensiva de boi, atividade que depende do desmatamento e que se vale da queimada como procedimento usual, está na origem do risco de ocorrência de incêndios na floresta amazônica – até mesmo quando praticada pelo pequeno produtor.

Romantismo à parte, a perda econômica resultante de cada hectare de biodiversidade florestal eventualmente destruído pelo fogo justifica, por óbvio, a discussão sobre a securitização.

 

 

*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal (UFRuRJ), mestre em Política Florestal (UFPR) e doutor em Desenvolvimento Sustentável (UnB).

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