segunda-feira, 24 de agosto de 2020

Nasa alerta: risco de incêndio florestal no Acre é de 85%

 

* Ecio Rodrigues

Em conjunto com pesquisadores da Universidade da Califórnia, a Nasa, agência espacial americana, publicou, em maio último, estudo que analisa a probabilidade estatística de ocorrência de incêndios florestais na Amazônia.

Considerando uma série histórica extensa, incluindo variáveis como quantidade de focos de calor; área anual desmatada; alteração do uso do solo; e, especialmente, indicadores climáticos sobre temperatura, pluviosidade e ventos, os cientistas calcularam a probabilidade de as florestas amazônicas se incendiarem.

Por probabilidade estatística, entenda-se risco. O Acre apresenta o nível mais perigoso entre os estados amazônicos brasileiros analisados pela Nasa: 85% de risco de ocorrência de incêndio florestal durante os meses de agosto e setembro, mantidas as condições analisadas.

Evidentemente, se São Pedro colaborar e fizer chover, o risco de incêndio florestal diminui. Contudo, e essa informação é crucial, nos 85% de risco estão previstas condições de seca extrema – isto é, a chance de chover nesse período e o risco vir a ser reduzido é mínima.

Para ampliar a precisão do cálculo, os pesquisadores confrontaram as estatísticas de 2020 aos índices medidos em 2005 e 2010, quando ocorreram incêndios que aniquilaram área expressiva de florestas na região do alto rio Acre.

Mais de 200 mil hectares de florestas foram destruídos na reserva extrativista Chico Mendes (localizada nos municípios de Brasiléia e Xapuri) em 2005 – e essa tragédia disparou o alerta para a possibilidade de ocorrência de incêndios florestais.

Explicando melhor. Como todo produtor sabe, em condições normais, floresta em pé não pega fogo. A umidade presente no substrato e na parte inferior da floresta tropical impede que o fogo, vindo das queimadas dos pastos, avance mais que 3 metros floresta adentro.

Diferenciar queimada de incêndio florestal é fundamental nesse quebra-cabeça de consequências trágicas. As queimadas funcionam como estopim para os incêndios florestais, e enquanto a queimada é provocada pelo produtor e passível de controle, incêndio florestal ninguém apaga.

Para enfatizar: a queimada é uma prática agrícola, comumente usada pelos criadores de boi para renovar o pasto, aumentar a produtividade e, por óbvio, os lucros.

Num pasto “velho” (5 anos, por exemplo), o criador consegue manter um boi por hectare. Depois de realizada a queimada, o capim rebrota com excesso de nutrientes, possibilitando que até uma cabeça e meia de boi seja sustentada no mesmo hectare de pasto.

Entender que a queimada configura um investimento que o produtor decide fazer para aumentar sua renda, e não para não morrer de fome, é condição essencial para a aplicação de medidas de controle e, quem sabe um dia, banir essa nefasta e desnecessária prática.

Resumindo, enquanto a queimada é uma decisão de investimento tomada pelo criador de boi, incêndio florestal é a segunda tragédia – a primeira é o desmatamento mesmo – que acompanha a atividade produtiva da pecuária na Amazônia.

Mas incêndio florestal não acontece todos os anos, é uma exceção que depende de um conjunto de variáveis, como as identificadas pelos pesquisadores da Nasa.

O problema é que, com a intensificação das queimadas e do desmatamento a partir da década de 1970, foram-se criando as condições para a ocorrência de incêndios florestais. Ou seja, o risco de o fogo escapar do pasto e se alastrar pela floresta também se intensificou.

Detalhar e quantificar com precisão esse risco foi o que os cientistas da Nasa fizeram. Por sua vez, quem vive na Amazônia deve fazer sua parte pela erradicação do gatilho representado pelas queimadas. Esse é o único jeito de aplacar o perigo de incêndio. Não há plano B.

Da mesma forma, não dá para acordar todos os dias sabendo que existe 85% de chance de uma catástrofe acontecer.

De outra banda, diante de um quadro em que a ameaça tem 85% de probabilidade de se concretizar, perder tempo tentando vincular incêndio florestal a invasão e roubo de terras na Amazônia é estupidez.

A regularização fundiária e a consolidação do Cadastro Ambiental Rural fazem parte da solução, e não das causas dos 85% de risco de destruição das florestas pelo fogo na Amazônia.

E que ninguém esqueça: se os governos não resolverem, só restará rezar a São Pedro. Para que mande as chuvas e para que cheguem rápido.

 

 

*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

 

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