segunda-feira, 15 de junho de 2020



Regionalização da gestão ambiental é desafio insuperável
* Ecio Rodrigues
Nos últimos 40 anos, o país discutiu e aprovou um arcabouço jurídico com o objetivo precípuo de promover a conservação de seus ativos ambientais, notadamente no que diz respeito a água, florestas e qualidade do ar.
Esse aparato normativo se aplica em todo o território nacional, sem considerar diferenças locais.
A uniformização e a padronização pautaram a aprovação do que pode ser considerado o mais importante instrumento jurídico para a conservação ambiental –o Sistema Nacional de Meio Ambiente, Sisnama, instituído por meio da Lei 6.938/1981.
Posteriormente, as normas que surgiram para regulamentar o uso dos recursos hídricos, das florestas nativas e do ar seguiram o mesmo formato de padronização nacional estabelecido pelo Sisnama.
Sem embargo, em um país de dimensões continentais, o movimento ambientalista, apoiado por um número expressivo de especialistas, defende a regionalização das normas, no intuito de promover sua adequação à realidade ecossistêmica de cada um dos 5 principais biomas distribuídos em território nacional: Pampas, Mata Atlântica, Cerrado, Caatinga – e o mais prestigiado no mundo, Amazônia.
Para os defensores da regionalização, as especificidades dos biomas exigem que os preceitos relacionados à gestão ambiental sejam diferenciados. Significa dizer que os requisitos impostos para o licenciamento ambiental na Amazônia não podem ser os mesmos para Mata Atlântica, Cerrado etc.
Esse argumento ganha ainda mais força quando a desigualdade social e econômica entra na equação. Estudiosos do modelo de desenvolvimento brasileiro não cansam de apontar os prejuízos que a disparidade de IDHs entre a Amazônia e a Mata Atlântica causa ao país.
Segundo o raciocínio da regionalização, as regras de gestão ambiental poderiam impulsionar regiões menos desenvolvidas, ao facilitar a instalação de indústrias e outros empreendimentos que se ajustassem às características ecológicas do bioma, ao mesmo tempo que minimizariam o impacto ambiental, já elevado, em outras regiões mais industrializadas.
O licenciamento de uma indústria de papel e celulose deveria ocorrer sob um maior grau de exigências no Sudeste – região em que predomina o bioma Mata Atlântica e que foi submetida a um processo intenso de industrialização –, do que, por exemplo, no Centro-Oeste, região menos industrializada, sujeita, por conseguinte, a menores índices de poluição industrial, e cujo bioma dominante, Cerrado, pode se mostrar mais resiliente a esse tipo de impacto ambiental.
Dessa forma, devem ser considerados não apenas o grau de degradação do respectivo bioma e sua resistência e resiliência frente aos diferentes tipos de impactos ambientais, mas também o estágio da ocupação social e econômica daquela região, bem como o histórico dos processos produtivos desencadeados em âmbito local.
Afinal, voltando a falar de Amazônia e Mata Atlântica, é evidente que esses biomas apresentam realidades nitidamente distintas, a despeito do intenso impacto causado em ambos pelo cultivo de commodities agrícolas.
Não há dúvida que a regionalização é tema complexo, que transita entre conteúdos científicos e políticos que poucos dominam. Essa complexidade, diga-se, restou patente nas discussões em torno do Código Florestal promulgado em 2012 – que, aliás, fixou, em cada bioma, tamanho diferenciado para a reserva legal (fração de floresta que obrigatoriamente deve ser mantida nas propriedades rurais).
Mas o fato é que a ausência de correlação entre as regras de gestão ambiental e os níveis de industrialização e de degradação observados nos biomas configura uma significativa lacuna no ordenamento jurídico ambiental do país.
 O desafio de suprir essa lacuna, porém, é praticamente insuperável no médio prazo.

*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

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