Xapuri poderia
ter sido o primeiro cluster florestal da Amazônia
* Ecio Rodrigues
No final da década de 1980, depois da explosão do
agronegócio centrado na criação de gado e, de certa maneira, em resposta ao
avanço do cultivo de capim em terras ocupadas por florestas, iniciaram-se as discussões
acerca da vocação produtiva natural da Amazônia – a exploração da biodiversidade
florestal.
Naquela época, por meio do esforço de algumas organizações
da sociedade civil, sob a coordenação do Centro dos Trabalhadores da Amazônia (CTA),
entidade de apoio técnico aos extrativistas, foram concebidos e executados
projetos importantes, voltados para viabilizar o que se chamou de “cluster florestal
de Xapuri”.
Contando inicialmente com pequeno aporte financeiro
do Ministério do Meio Ambiente e, mais adiante, com recursos de maior monta do BNDES,
essas experiências de exploração da biodiversidade florestal ganharam expressão,
por conta de sua sustentabilidade econômica, social e ecológica.
A ideia era que, de início, o cluster florestal contemplasse
a produção de produtos a base de madeira, com a perspectiva de inclusão posterior
de outros produtos da biodiversidade florestal, já que a tradição produtiva de
Xapuri se assentava no binômio borracha/castanha.
Chegou-se, inclusive, a detalhar os ofícios e
ocupações que surgiriam, exigindo pessoal qualificado para operar o sistema de
silvicultura a ser utilizado na exploração e manutenção dos estoques de árvores
no interior da floresta.
Por outro lado, seria ampliada a oferta de vagas
para profissionais experientes em tecnologias de preparo da madeira, em
especial sistemas de secagem e de preservação empregados na produção industrial
de móveis, peças de decoração e utensílios domésticos.
O atendimento a essa demanda por qualificação exigiria
capacitação profissional em pelo menos 3 níveis.
O nível básico incluiria a formação de mateiros –
ou seja, de guias habilitados para identificar madeiras e árvores –, e também a
disseminação das técnicas de manejo comunitário, a fim de qualificar os
extrativistas como manejadores florestais.
O nível médio envolveria a oferta de cursos técnicos
de capacitação em tecnologias de industrialização de artigos de madeira – e de mais
um leque de produtos oriundos da biodiversidade florestal.
Finalmente, completaria a oferta de qualificação a
criação de uma espécie de universidade livre, a exemplo da que existe na Costa
Rica, destinada a promover cursos inovadores em negócios, com foco nos produtos
da biodiversidade florestal.
A importância da floresta em relação à quantidade e
à qualidade da água consumida na área urbana; os custos para conservar as cabeceiras
dos rios da bacia amazônica; noções de fitoterapia e biotecnologia, e assim por
diante – esse, o tipo de conteúdo a ser abarcado pelos cursos ministrados.
Os produtos oriundos do cluster florestal de Xapuri
teriam uma marca própria de certificação florestal, o selo "Semblante do
Acre", cujos princípios e critérios chegaram a ser aprovados em Resolução
do Conselho Estadual de Meio Ambiente ainda em 1998.
Lamentavelmente, a chance de Xapuri posicionar-se,
frente a outros municípios da Amazônia, como sede do primeiro cluster florestal
da região submergiu na falta de competência de sucessivos governos estaduais e
municipais.
Tivesse aproveitado aquela chance, decerto o
município não estaria, presentemente, na situação econômica em que se encontra,
e apresentaria dinâmica capaz de melhorar o seu fraco IDH, com um diferencial
único: respeitando os termos do Acordo de Paris.
Contudo, o agronegócio da criação de boi se consolidou,
tornando-se prioridade: hoje, parafraseando o dito inglês, ninguém enxerga a
floresta que existe além dos pastos.
*Professor
Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista
em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do
Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de
Brasília.
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