Os 30 anos do Projeto Antimary e a tecnologia do Uso
Múltiplo da Floresta
* Ecio Rodrigues
No longínquo 1987, um grupo de engenheiros no Acre
concebeu o que pode ser considerado um dos mais expressivos projetos voltados
para a busca de respostas com relação à exploração da biodiversidade presente
no ecossistema florestal da região.
O projeto, financiado pela ITTO (em português, Organização
Internacional de Madeiras Tropicais), deu origem à Floresta Estadual do
Antimary e se configura no maior aporte financeiro para a pesquisa já realizado
no estado – jamais repetido, lamentavelmente, mesmo passados 30 anos.
Tendo enfocado inicialmente a produção de madeira, a
equipe envolvida na execução do projeto se deparou com as especificidades
botânicas da floresta local, distinguidas por baixo volume de madeira comercial
(em comparação com outras localidades amazônicas) e elevada diversidade de
espécies por hectare.
Outras especificidades, desta feita no contexto socioeconômico,
decorrentes do processo histórico de ocupação do Acre, relacionavam-se à
presença marcante dos “seringueiros” no interior da floresta, dispersos em
unidades de produção familiar, as chamadas “colocações de seringa”.
Esse singular produtor extrativista especializara-se
na exploração comercial de castanha-do-brasil e borracha e, para a oferta de ambos
os produtos florestais, contava com um complexo sistema de escoamento, baseado
na associação entre rios, igarapés e vias terrestres designadas como “varadouros”
e “varações”.
A compreensão dessas peculiaridades levou a equipe
de pesquisadores a optar pela ampliação do escopo do manejo florestal, de forma
a suplantar a tradicional aplicação dessa técnica, voltada para a produção de
madeira, e chegar ao arrojado conceito do Uso Múltiplo da Floresta.
Esperava-se, dessa maneira, conceber uma tecnologia
que possibilitasse a exploração de todo o potencial presente no ecossistema
florestal, entre produtos e serviços – incluindo-se a madeira, obviamente.
Além de ajudar a superar o grave problema da baixa
quantidade de madeira por hectare, a ampliação da cesta de produtos florestais facilitava
a inserção do extrativista nos procedimentos do manejo florestal, já que ele
detinha experiência em outros produtos, e não em madeira.
Uma vez definida tal diretriz, a equipe realizou uma
dúzia de estudos – tais como inventários (florestal, de ecossistemas e de fauna);
levantamento socioeconômico; diagnóstico de seringal nativo; pedologia; bacia hidrográfica
–, tornando a Floresta do Antimary uma das áreas de floresta nativa mais pesquisadas
da Amazônia.
Esses estudos subsidiaram a elaboração do Plano de
Manejo, cujos detalhes foram discutidos em seminários técnicos, num processo de
construção participativa que reuniu os produtores e os mais respeitados
estudiosos sobre biodiversidade na Amazônia.
Passados 30 anos, é inquestionável o sucesso do
projeto, e a própria ITTO reconheceu esse êxito, tendo aportado novo volume de
recursos financeiros em 1992, aproximadamente 2 milhões de dólares, destinados
à implantação da tecnologia de Manejo Florestal de Uso Múltiplo.
A recorrente discussão acerca do Uso Múltiplo no âmbito
do Acordo de Paris, pacto internacional assinado em 2015 com o propósito de
atenuar as mudanças no clima, demonstra que a aplicação dessa tecnologia pode
ser condição para a sustentabilidade da Amazônia.
Merecem congratulações a Fundação de Tecnologia do
Acre, Funtac, órgão responsável pela gestão do Projeto Antimary, e todos os que,
em algum momento, participaram de sua execução – dos barqueiros e mateiros aos técnicos
e engenheiros que correram riscos profissionais ao levar a cabo essa
significativa experiência.
Oxalá, no futuro, a tecnologia que concretiza o uso
econômico e sustentável dos numerosos produtos da biodiversidade na Amazônia se
torne, para o produtor, uma opção mais vantajosa do que a criação de boi.
Mas esse futuro, por suposto, já deveria ter
chegado...
*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro
florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela
Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento
Sustentável pela Universidade de Brasília.
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