Fantasma da biopirataria
esconde incompetência tupiniquim
* Ecio Rodrigues
Se um produtor resolver se aventurar no arriscado mercado de produção de
sementes florestais irá se deparar com dois grandes obstáculos: um deles relacionado
à excessiva, complexa e muitas vezes insana normatização aplicada a essa
atividade; o outro, ao fantasma da biopirataria.
Não se sabe exatamente se o primeiro é consequência do segundo ou
vice-versa, mas o fato é que ambos não deixam que a produção de sementes
florestais nativas avance. Isso numa região como a Amazônia, historicamente
carente de opções econômicas lucrativas no âmbito do setor primário.
Esse impasse não se limita, infelizmente, ao potencial de mercado das
sementes florestais. Inclui também o lucrativo e promissor mercado dos
cosméticos e dos fitoterápicos, cuja produção deriva das espécies florestais.
O fantasma da biopirataria faz vítimas. Vez ou outra, algum desavisado se
vê obrigado a defender-se de acusações sempre subjetivas, que como plumas ao
vento vão se alastrando e do nada convertem um pesquisador, um produtor ou um empresário
num terrível e, claro, famoso biopirata.
Há duas circunstâncias que, somadas, ampliam exponencialmente o risco de
alguém se transformar num famoso biopirata.
Primeiro, quando a espécie florestal que supostamente é objeto da cobiça perdulária
do mundo tem origem na Amazônia. Obviamente, um biopirata da Caatinga não conta
com o mesmo espaço de mídia conferido ao biopirata da floresta considerada a
mais rica do mundo.
Segundo, quando a suposta biopirataria é perpetrada por estrangeiros. Essa
circunstância é relevante, pois, ao que parece, o fato de São Paulo plantar todas
as espécies florestais amazônicas que fazem sucesso comercial não conta como
biopirataria, ou conta?
Voltando aos gringos. O sujeito pode até ter cidadania brasileira, mas se
estampar algum sotaque, se falar enrolado, ninguém duvidará de que se trata do
mais importante biopirata, internacionalmente conhecido.
A superação de entraves impostos por um conjunto de normas abstrusas, com
poucos lampejos de bom senso, exige do empreendedor uma enorme força de
vontade; alguns se dispõem a fazê-lo e até conseguem.
A biopirataria, contudo, configura-se num verdadeiro muro intransponível.
É impossível superar o conceito equivocado que predomina na cabeça de uma
grande parcela de indivíduos, incluídos aí os que têm poder de decisão para pôr
o empreendedor atrás das grades.
Todavia, entendendo-se a biopirataria, esse neologismo inventado por nós,
como a transferência entre países de material genético, vegetal ou animal, sem a
celebração de acordos internacionais que legalizem essa transferência, a biopirataria
não passa de uma especulação, um factoide que se beneficia da desinformação
generalizada.
Vale dizer, biopirataria não existe, nunca existiu. Não há indícios de
sua ocorrência, muito menos de condenações baseadas em tal fundamento.
Nem mesmo o exemplo da borracha, sempre aventado quando o tema vem à
baila, resiste a uma análise histórica. As sementes de seringueira chegaram à
Malásia legalizadas por acordos internacionais que o Brasil assinou, tendo se
transformado em plantios produtivos graças à competência dos engenheiros florestais
ingleses, que conseguiram rapidamente domesticá-las.
Competência, essa é a chave para transformar biodiversidade em renda na
Amazônia, sem a assombração de fantasmas.
* Professor da Universidade Federal do Acre (Ufac),
Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal
e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná
(UFPR) e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de
Brasília (UnB).
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