* Ecio Rodrigues
Entre todos os setembros da
história moderna da humanidade, este último foi o mais quente. Significa dizer
que desde que começaram as medições de temperatura, no final do século XIX,
nunca houve um mês de setembro tão quente como o de 2020.
Tanto a medição das
temperaturas quanto a publicação dos resultados foram realizadas pelo Serviço
de Mudança Climática Copernicus, da União Europeia, e reforçam a tendência de
aquecimento planetário observada nos últimos 5 anos – os mais quentes desde o
início das medições.
Segundo os dados do
Copernicus, as temperaturas médias aferidas no mês de setembro de 2020 tiveram
um aumento de 0,05ºC em relação a 2019; e de 0,08ºC, em relação a 2016 – anos que
registraram os dois recordes anteriores para esse mês.
Mesmo que ainda existam (em
número cada vez menor) os que associam o aquecimento do planeta a uma
conspiração internacional, a ocorrência de picos de temperatura é uma tendência
comprovada pela ciência.
Ou seja, não surpreende que
setembro de 2020 tenha sido o mais quente, da mesma maneira que o de 2021
poderá ser ainda pior. O que causa estranheza é a pouca ou nenhuma relevância conferida
pela imprensa a esses recordes e à sua vinculação ao Acordo de Paris.
Assinado em dezembro de 2015,
o Acordo de Paris é o mais amplo pacto mundial já celebrado em torno das
mudanças climáticas, tendo sido subscrito por mais de 95% dos países associados
à ONU.
Mantida a tendência de elevação
da temperatura, cresce entre os países a ideia-força de que as metas que
voluntariamente estabeleceram perante o Acordo de Paris podem não ser suficientes
para conter os efeitos nefastos do aquecimento global.
Nesse caso, há apenas dois
caminhos.
O primeiro remete à ampliação
das metas de redução das emissões de carbono, o principal (mas não único) gás
responsável pelo efeito estufa. Essa alternativa esbarra em resistências, pois poderá
inibir a retomada num momento de retração econômica mundial, quando a maior
parte dos países se encontra no limiar da recessão.
O segundo caminho aponta para
a substituição da matriz energética vigente, intensiva em carbono e
combustíveis fósseis, pela chamada economia de baixo carbono – baseada em
fontes de energia considerada limpa, como a luz do sol e a força das águas e do
vento.
Quanto ao Brasil, se por um
lado nos estarrecemos com o desmatamento e as queimadas que assolam nossos
ecossistemas – em especial Pantanal e Amazônia –, por outro parece haver uma
incapacidade um tanto proposital, no sentido de não associar essas práticas
nocivas às metas que o país se propôs a alcançar no âmbito do Acordo de Paris.
O termo “incapacidade
proposital” não é à toa. Os jornalistas tendem a responsabilizar os governos,
sobretudo o federal, pelas mazelas que afligem o país; todavia, deixam à parte o
tema do aquecimento do planeta, porque no fundo veem esse aquecimento como
resultado de fenômenos climáticos – como El Niño e La Niña – e, ao que parece,
temem dar ensejo a justificativas por parte dos gestores.
Um grave equívoco. Primeiro,
o aquecimento global resulta principalmente das emissões de carbono – e no
Brasil, o desmatamento é, comprovadamente, o maior responsável pelo carbono
lançado na atmosfera.
Segundo, o MMA (Ministério
do Meio Ambiente), que claramente apresenta dificuldade técnica insuperável
para diagnosticar a realidade amazônica e propor soluções ao desmatamento, tem a
missão institucional de operacionalizar as metas do Brasil junto ao Acordo de
Paris.
Uma delas é exatamente zerar
o desmatamento ilegal na Amazônia até 2030.
Por sinal, fazer uma distinção
entre o desmatamento ilegal e o legalizado tem sido a estratégia adotada pelo MMA
para ludibriar a mídia – sob a alegação insana de que o primeiro deve ser
combatido e o segundo, não.
Uma estratégia que vem dando
certo, diante de jornalistas e ambientalistas igualmente distantes da realidade
da Amazônia, que não conseguem visualizar alguma solução factível para zerar o
desmatamento.
Há uma conexão visível entre
Acordo de Paris, aquecimento global, queimadas e desmatamento na Amazônia. Mesmo
que os estúpidos não consigam enxergar.
*
Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal,
especialista
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