Código Florestal não irá proteger
rios temporários
* Ecio Rodrigues
Já faz dois anos que deputados, senadores e governo federal se veem às
voltas com as discussões, votações e encaminhamentos em torno da proposta de
novo Código Florestal. Para o cidadão, fica simplesmente impraticável acompanhar
os retrocessos e desdobramentos desse infindável processo legislativo.
A razão para que se aventasse a existência de uma demanda social que
justificasse a atualização do Código Florestal de 1965, sempre é bom lembrar,
foi a intenção de tornar o crédito rural acessível aos produtores que haviam infringido
a própria legislação florestal.
A alteração da lei foi a forma que se encontrou para que os infratores pudessem
ser legalizados. Algo impensável em democracias maduras, mas – admitamos - bem
comum por estas bandas ao sul do equador. Diga-se que a legalização do infrator,
nesse caso, implicava na remissão, em grande parte, dos desmatamentos em áreas
de reserva legal e de mata ciliar.
Desde o início das discussões, o que aconteceria com as áreas de reserva legal
existentes nas propriedades privadas, e com a vegetação que protege a margem
dos rios, a mata ciliar, era fator determinante para a aprovação ou não da
proposta. De um lado, a bancada ruralista - composta pelos parlamentares que,
tendo ou não vínculo com o setor primário da economia, defendem a expansão do
agronegócio - queria o fim da obrigação de manter esses tipos especiais de
florestas.
De outro lado, os parlamentares preocupados com as consequências
previsíveis dos desmatamentos se articulavam para garantir pelo menos a
manutenção da quantidade de florestas já prevista na legislação, ou seja, brigavam
para que não houvesse alterações no que já estava garantido desde 1965.
Como o Congresso Nacional - leia-se senadores e deputados - não
conseguiram aprovar uma proposta de legislação que atendesse à sociedade, o
governo federal se viu pressionado a fazer um grande número de vetos no texto
dos parlamentares. Fez mais: além de vetar, devolveu aos legisladores um texto
de medida provisória, pelo qual apresentou uma resposta ao que havia sido
acertadamente vetado.
A novela atualmente se encontra no capítulo em que o Congresso avalia a medida
provisória proposta, a fim de transformá-la em lei. O momento é decisivo, e o resultado
de uma primeira rodada de discussões não foi nada animador.
Ocorre que os ruralistas conseguiram aprovar, por estreita margem, o fim
da exigência de manutenção da mata ciliar em rios denominados intermitentes, ou
seja, que secam na época da escassez de água. Já não se trata, para esse tipo
de rio, de discutir a largura ideal da faixa de mata ciliar, mas, simplesmente,
de sacramentar a inexistência dela. Uma decisão trágica por duas razões fáceis
de compreender.
Em primeiro lugar, retira-se a proteção conferida pela floresta a uma
quantidade expressiva de rios que têm sua vazão reduzida na seca, mas que
dependem da existência da floresta para garantir o seu equilíbrio hidrológico,
em especial na época das cheias e alagações. Vale dizer, a retirada da mata
ciliar irá comprometer o canal desde a nascente, além de toda a rede
hidrográfica à jusante do recurso hídrico. Ademais, autoriza-se uma reavaliação
sobre quais canais de água podem ser considerados intermitentes, o que poderá levar
a implicações ainda mais desastrosas.
Em segundo lugar, a temerária decisão abre um precedente grave: os
irresponsáveis que acham que essas florestas não servem para nada mais do que
atrapalhar a vida do produtor certamente passarão a acreditar que é possível
aprovar o fim da reserva legal e da mata ciliar em todos os rios, perenes ou
temporários. O que seria o apocalipse.
Esperar que a sociedade se manifeste a cada absurdo aprovado pelos
parlamentares é exigir demais; por outro lado, como os absurdos são inesgotáveis,
o resultado dessa novela é imprevisível.
* Professor da Universidade
Federal do Acre (Ufac), Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal
e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná
(UFPR) e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de
Brasília (UnB).