O
pacto da quarentena
* Aurisa Paiva & Raquel Eline S.
Albuquerque
Existe uma máxima na ciência
política que certamente pode ser aplicada a situações de crise como a que
vivemos, que por seu turno dependem da atitude firme de lideranças no exercício
de cargo de representação política: será sempre mais fácil impor regras a favor
da correnteza.
Os ingleses inventaram, como
sempre fazem, uma palavra para isso. Denominam enforcement o sistema voltado
para fazer cumprir um decreto, uma lei ou outra norma que submeta um povo a uma
nova conduta.
Sempre que a correnteza social
– veja bem, está-se a falar de correnteza, não de maioria, nem
sempre os dois termos têm correspondência – se direciona para um novo estado de
coisas, o custo político e econômico será bem maior para reverter essa força,
ou tendência.
Em março, o custo da decisão
pela quarentena foi deveras elevado para governadores e prefeitos, que arcaram
com a responsabilidade de impor essa medida drástica, ainda que recebendo posteriormente
o resguardo da Suprema Corte.
Acionar o STF foi necessário,
diante da conduta temerária do governo federal – que escolheu seguir a
correnteza, a despeito do alto risco de ocorrência de óbitos, conforme alertado
por especialistas.
Prefeitos e governadores, em
todo o país, uniram-se no esforço de carregar o ônus político decorrente da
paralização de escolas, lojas, restaurantes, enfim, de uma infinidade de pequenos
e grandes estabelecimentos, deixando trabalhadores sem emprego e empresários
sem renda – ônus esse atenuado apenas pela posição majoritária dos
especialistas e da OMS.
Por sinal, hoje já não há
dúvida que dar ouvidos à comunidade científica foi o mais acertado – e por duas
razões, basicamente: as previsões se confirmaram; e o número de vidas salvas
justificou o sacrifício.
Não à toa, estamos há quase
dois meses sem ministro da Saúde, já que é difícil encontrar um profissional com
perfil técnico para essa função espinhosa que aceite desconsiderar as
orientações da OMS.
Passados mais de 100 dias de quarentena
– o que significa dizer que estamos em casa há mais de 14 semanas –, agora a correnteza
corre pela flexibilização do isolamento.
Embora com menor ênfase que na
defesa do isolamento social, as estatísticas e orientações dos especialistas
favorecem a decisão pela flexibilização, com alertas quanto à necessidade de se
graduar a reabertura do comércio, mediante a definição de parâmetros, de acordo
com a realidade vivenciada em cada cidade.
Este talvez seja o momento mais
delicado dessa experiência inusitada trazida pela pandemia.
Tomando o exemplo da realidade
do Acre e de Rio Branco, de um lado, nota-se um visível cansaço da população em
relação à quarentena. Numa espécie de desobediência civil, as pessoas teimam em
sair de casa, fazem aglomerações, filas nas portas de lojas, mesmo diante do
perigo de contágio e morte.
De outro, percebe-se um certo
clima de denuncismo, favorecido por postagens nas mídias sociais, e cobra-se
das autoridades uma fiscalização ostensiva, inclusive no âmbito privado. Não
raro, leem-se mensagens com insinuações de que estariam a ocorrer, em nossa
cidade, festinhas privées, e – pasme-se! – responsabilizando a
prefeitura por isso.
Equivocam-se os que cobram
providências da Administração Municipal, ao não atentar para o fato de que,
numa democracia, medidas excepcionais que limitem o direito de ir e vir e as
liberdades pessoais – como é o caso do isolamento social – exigem a celebração
de um pacto social em prol do bem comum.
Esse pacto não pode ser
quebrado por nenhum dos lados da equação, sob pena de ruptura social.
Para resumir, as autoridades só
podem tomar medidas extremas se e quando houver o assentimento da sociedade (e
nesse caso, sim!, está-se a falar da maioria). Do contrário, corremos o risco
de transpor a linha – tênue, diga-se – que separa um governo vigilante de um Estado
policialesco.
Cabe aqui outra máxima da
ciência política que é irrefutável e bem se aplica ao momento atual: o aumento
da segurança depende, em igual proporção, da perda de liberdade.
Sim, Município e Estado têm que
fazer sua parte – e sem dúvida estão fazendo, dentro dos limites circunscritos pelo
pacto social da quarentena, de forma a proteger a população com o mínimo de
trauma possível. Lançando mão do aparato policial quando é imprescindível, e em
situações pontuais, para fazer valer a lei.
E que ninguém se engane: não há
caminho fácil. As pressões são muitas e vêm de todos os lados.
Compartilhar a responsabilidade
pela quarentena e pela reabertura, principalmente diante da ausência de uma liderança
nacional à altura do desafio, exige dos gestores locais sobriedade, equilíbrio
e, além de tudo, desprendimento do pleito eleitoral que se avizinha.
O que, há de se reconhecer, é
extremamente complexo para quem depende do voto.
* Procuradoras Jurídicas do
Município de Rio Branco