* Ecio Rodrigues
Na
última terça, 06 de outubro, o programa de monitoramento de queimadas na
Amazônia, executado pelo Inpe desde 1998, constatou, para o ano de 2020, a
ocorrência de nada menos que 7.973 queimadas no Acre – um recorde em 10 anos.
Para
os que duvidam, os dados podem ser acessados em http://queimadas.dgi.inpe.br/queimadas/portal-static/estatisticas
estados/.
Importante
frisar que a despeito das investidas desastrosas do governo contra o seu próprio
órgão, o Inpe tem uma atuação científica inquestionável, integrando o seleto
grupo de instituições brasileiras que gozam de grande reconhecimento internacional.
Os
números relativos à ocorrência de queimadas no Acre chamam a atenção dos
pesquisadores por duas razões, principalmente: efeito bordadura e marca de
sustentabilidade.
No
primeiro caso, e como a própria denominação sugere, o efeito bordadura diz
respeito ao perímetro de contato entre o ecossistema florestal amazônico e
outras formações de vegetação – tipificadas como cerrado, cerradão, savana e
assim por diante.
Ocorre
que, se por um lado as florestas do Acre estão no caminho do vetor de expansão
da criação de boi e do consequente desmatamento que vem de Rondônia e do Mato
Grosso, por outro, são as áreas de florestas que garantem a conservação da
cabeceira de dois importantes rios tributários da calha direita do rio Amazonas
–Juruá e Purus.
Contudo,
diante do efeito bordadura, tanto a resistência (a capacidade de o ecossistema
florestal suportar o desmatamento) quanto a resiliência (a capacidade de
regeneração natural da floresta desmatada) ficam comprometidas.
Resumindo,
além de apresentar indicadores de evapotranspiração e umidade diferenciados – em
relação à porção central da massa florestal heterogênea que compõe o bioma
Amazônia –, a faixa de bordadura da floresta será sempre a porta de entrada
para o desmatamento.
É aí
que entra a segunda motivação dos cientistas para acompanhar de perto a
destruição das florestas do Acre pelo desmatamento e pelas queimadas.
Estado
pioneiro na discussão em torno de uma alternativa à ocupação produtiva baseada
na pecuária, o Acre conquistou, a partir de meados da década de 1990, uma marca
de sustentabilidade, traduzida na defesa da valorização do patrimônio representado
pela biodiversidade florestal.
Além
de ser o berço de Chico Mendes, ícone do movimento ambientalista no mundo, foi
no Acre que surgiram as primeiras duas unidades de reserva extrativista do país
– o que levou à concepção da tecnologia de manejo florestal comunitário como
modelo produtivo. Inovações desenvolvidas no Acre e reproduzidas mundo afora.
Não à
toa, dividendos eleitorais foram fartamente colhidos por lideranças políticas
que apregoavam a sustentabilidade como bandeira.
Sem
embargo, nos últimos 10 anos, pelo menos, essa marca foi perdida, diante dos crescentes
índices de destruição florestal medidos no estado.
Ou
seja, pode-se considerar o triste recorde quebrado agora, em 2020, como corolário
do persistente aumento no número de queimadas que vem sendo observado desde
2010.
Basta
dizer que, há 3 anos, em 2017, foram computadas 1.350 queimadas no mês de
outubro – a maior quantidade já registrada para esse mês desde o início das
medições.
Quase
90% das queimadas este ano aconteceram entre agosto e setembro – o que leva a
crer que o mês de outubro de 2020 pode ser ainda mais fumacento que o de 2017.
Só a chuva poderá evitar novo recorde.
*Professor
Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista
em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do
Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.
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