segunda-feira, 25 de fevereiro de 2019



Zoneamento não baniu desmatamento e queimadas no Acre
* Ecio Rodrigues
Durante a “Era do Zoneamento” na Amazônia, que vai de 1992 até 2007, técnicos, pesquisadores e, em especial, ativistas de meio ambiente tinham a expectativa de a que realização de zoneamento ecológico-econômico, ZEE, era a solução para zerar o desmatamento e abolir as queimadas na região.
Contudo, depois de decorridos mais de 20 anos do início do Programa de ZEE do Acre, a realidade mostrou que essa expectativa não passava de ilusão. Atualmente, questiona-se a eficácia desse instrumento de planejamento para fazer valer a vocação produtiva local e assim promover o desenvolvimento regional.
Ocorre que, durante a década de 1990, os estados amazônicos gastaram uma absurda quantia de dinheiro público, proveniente da sociedade brasileira e da cooperação internacional, para levar a cabo os estudos necessários e aprovar legislação estadual zoneando seus respectivos territórios.
O elevado investimento na realização de ZEE tinha como objetivo primordial organizar a ocupação produtiva na região amazônica, de forma a inibir o desmatamento e as queimadas. A ideia era que, por meio de estudos científicos, seria possível zonear o território e indicar, de maneira precisa, a vocação natural de cada zona para produzir.
Na fase seguinte, essa vocação produtiva, calculada com base em variáveis como relevo, potencial do solo, disponibilidade de água e assim por diante, era confrontada com os interesses dos donos das terras.
Por sinal, essa confrontação entre a vocação técnico-científica e o interesse do produtor se deu sob ampla participação da sociedade, e não apenas do principal afetado, o pecuarista.
O passo final foi a aprovação de legislação estadual estabelecendo a forma de ocupação apontada pelo ZEE, de acordo com a vocação produtiva estudada e referendada pela população. Como o desmatamento para criação de boi e instalação do agronegócio ficaria restrito a determinadas zonas, a tendência é que diminuísse paulatinamente, até acabar de vez, já que não poderia se expandir.
No caso do Acre, a Lei do ZEE foi aprovada em 2007; depois de mais de uma década, o aprendizado acumulado trouxe pelo menos 3 constatações categóricas.  
Primeiro, que a tomada de decisão em torno da definição de diretrizes produtivas está no plano das políticas de governo, deve observar preceitos de ordem técnico-social, não pertencendo à alçada de audiências públicas ou plenárias. A sociedade não estava à época, não está hoje e provavelmente não estará no futuro preparada para decidir entre alternativas produtivas como pecuária de gado, agricultura de queimada e exploração da biodiversidade florestal.
Segundo, que os gestores públicos não conseguem seguir um planejamento realizado para o ano seguinte, muito menos para um futuro de 20 anos, como propugnava o ZEE.
Terceiro, que existe uma discrepância enorme entre o que foi planejado no ZEE e a realidade da política cotidiana, em especial quando, no primeiro caso, a ciência é a referência para decidir e, no segundo, o populismo de cada eleição contamina as decisões dos gestores.
No final das contas, a área destinada à criação de boi foi ampliada e se consolidou no Acre, de maneira totalmente indiferente às permanentes taxas de desmatamentos e queimadas inerentes à pecuária.
O fracasso do ZEE no Acre é inquietante, uma vez que a inexpressiva dimensão territorial e demográfica desse estado, em comparação com Pará e Amazonas, aumentava as chances de sucesso.
A lamentável conclusão é que, a despeito da mobilização popular durante a Era do Zoneamento, nada mudou. Desmatamento e queimadas no Acre vão aumentar.
 
*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.


quarta-feira, 20 de fevereiro de 2019



Países são ricos ou pobres, de acordo com suas próprias decisões
* Ecio Rodrigues
Desde a publicação, em 1776, da célebre obra do economista Adam Smith, “A riqueza das nações”, ou “Uma investigação sobre a natureza e as causas da riqueza das nações”, do título original em inglês, que muitos estudiosos se debruçam sobre a complexa tarefa de explicar a existência de países ricos e pobres.
Considerado um dos principais, senão o principal, pensador do liberalismo econômico, Adam Smith, em sua vasta e profícua produção intelectual, ficou conhecido por conferir, ao livre comércio entre as nações e à especialização produtiva de cada país, a condição de requisitos-chave para o sucesso.
Os autores costumam recorrer ao filósofo escocês quando se referem à existência de uma “mão invisível” capaz de equalizar os preços das transações comerciais de bens e serviços entre as nações.
Por sua vez, os críticos ferrenhos da mão invisível saem em defesa das regulamentações estatais, sob a justificativa de que o interesse do mercado por lucros rápidos e elevados compromete a distribuição de riqueza – tornando os ricos cada vez mais abastados, e os pobres, mais miseráveis.
É nesse contexto que o norueguês Erik S. Reinert, em seu livro “Como os países ricos ficaram ricos... E por que os países pobres continuam pobres”, questiona e tenta – sem sucesso, evidentemente – demonstrar o fracasso do livre-mercado, enquanto receituário para o desenvolvimento de um país pobre.
Traduzido por Caetano Penna e republicado em 2016 sob os auspícios do Centro Internacional Celso Furtado de Políticas para o Desenvolvimento, o livro de Reinert defende que os países pobres não conseguem superar o estágio de baixo IDH sem que ocorra um intenso processo de industrialização.
Ainda que sob explicação precária, esteia sua tese na lei econômica dos rendimentos marginais decrescentes. Segundo essa lei, o rendimento obtido por meio de investimento em algum fator de produção (a incorporação de terras ao agronegócio, p.ex.) decresce, depois de alcançado um teto de produção.
Ocorre que, apesar de a produção em valores absolutos aumentar, a produtividade – isto é, a quantidade produzida em função de determinado fator de produção (terra, capital ou trabalho) – se reduz, sob taxas relativas crescentes.
Todavia, segundo sustenta Reinert, por meio da industrialização intensiva (não de qualquer produto, mas daqueles que propiciam agregação de valor), os rendimentos serão crescentes, o que pode melhorar o IDH dos países pobres.
Indo além, o autor remete a uma conspiração internacional arquitetada pelos países ricos, no propósito de que os pobres continuem sendo ou até piorem sua condição de pobreza.
Essa urdidura internacional, por óbvio capitaneada pelos Estados Unidos, por meio do Consenso de Washington, concretizar-se-ia mediante a remoção de barreiras comerciais para a venda dos produtos industrializados, dos países ricos aos países pobres.
O complô internacional para manter os países pobres mais pobres, segundo a crença estranha do autor, chegaria à política educacional. Nesse ponto, por sinal, Reinert beira o absurdo, ao afirmar:
Ao enfatizar a importância da educação sem considerar, simultaneamente, uma política industrial que crie demanda por pessoas instruídas – como fez a Europa ao longo dos últimos quinhentos anos -, as instituições de Washington aumentam os encargos financeiros dos países pobres, induzindo-os a financiar a educação de pessoas que só encontrarão emprego nos países ricos [...] Mesmo que o dinheiro que esses emigrantes enviam para seus parentes seja importante – em países como El Salvador, o fluxo de recursos dos emigrantes constitui a maior fonte de divisas estrangeiras –, ele é geralmente usado no consumo, não em investimentos.   
A despeito da citação de uma vasta bibliografia, que inclui autores de língua portuguesa, chama a atenção a ausência da valiosa contribuição de Celso Furtado, o que poderia trazer um viés mais inteligente a esse tipo de análise.
No fundo, parece que Reinert prefere apelar para a conspiração mundial engendrada pelos americanos, a ter de culpar os países pobres por suas decisões.


*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.


segunda-feira, 11 de fevereiro de 2019



Extrativistas florestais da Amazônia e o espaço político perdido
* Ecio Rodrigues
Na década de 1990, logo após a redemocratização do país, líderes sindicais do porte de Chico Mendes forneceram uma inédita importância política aos extrativistas florestais da Amazônia. A partir daí, uma mudança expressiva ocorreu no meio rural amazônico, até então dominado pelos agricultores dos projetos de assentamento geridos pelo Incra.
Os extrativistas, que já haviam fundado (em 1985) o Conselho Nacional dos Seringueiros, CNS, em 1992, com o apoio dos ambientalistas, lograram criar o Grupo de Trabalho Amazônico, GTA, uma rede de entidades da sociedade civil que se tornaria interlocutora preferencial na execução de políticas públicas para a Amazônia.
Essas organizações ampliaram a força política do extrativismo florestal na região, possibilitando o posicionamento do extrativista como importante ator social. Um passo significativo foi sua inclusão como beneficiário do Programa de Reforma Agrária, o que permitiu acesso ao Pronaf “A” e aos créditos de instalação do Incra.
Diante do espaço político conquistado pelo GTA, foi possível reivindicar a execução de programas de apoio ao produtor extrativista, bem como a criação de uma quantidade jamais repetida de reservas extrativistas.
Essa categoria de unidades de conservação, juntamente com a tecnologia do manejo florestal comunitário, considerados dois legados do Acre para a Amazônia, alçaram o pequeno produtor florestal a um patamar único na história política da região.
Atualmente, existem 65 reservas extrativistas, distribuídas em 13 milhões de hectares em todas as regiões do país, e administradas pelo ICMBio, conforme dispõe a Lei 9.985/2000, que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação.
Mas, aquela favorável realidade institucional passaria por profundas transformações. A partir de meados dos anos 2000, com a chegada ao poder dos governos de esquerda, o extrativismo foi inserido no conceito genérico de “agricultura familiar”, reduzindo-se, dessa forma, seu protagonismo político. Hoje, CNS e GTA subsistem de forma capenga, e o extrativismo florestal perdeu o espaço e a relevância que possuía.
Por outro lado, tendo passado mais de 13 anos convivendo com governos que consideravam aliados, os extrativistas parecem não se dar conta que parte considerável de sua agenda política não foi resolvida.
Não à toa, trataram com certo descaso os avanços obtidos na Política Nacional de Meio Ambiente entre 2016 e 2018, período em que foi discutido e instituído o Plano Nacional de Fortalecimento das Comunidades Extrativistas e Ribeirinhas, uma relevante iniciativa para o resgate do papel social e econômico desempenhado pelo extrativismo florestal amazônico.
Fácil perceber que o suporte político alcançado pelo extrativismo se assenta no entendimento de que esse modo de produção é adequado à realidade florestal da região. Portanto, o extrativista, esse produtor rural com especialização singular, deve voltar a ser um ator prioritário, fazendo frente aos criadores de boi.
Não se pode esquecer que a relação entre extrativismo florestal e conservação dos ecossistemas foi reconhecida na Rio-92 e nas demais conferências de meio ambiente realizadas pela ONU, culminando no Acordo de Paris em 2015.
Em todos esses fóruns mundiais, reitera-se que a conservação do recurso florestal requer a permanência de uma população extrativista para manejá-lo.
A boa notícia é que essa gente já está lá, não precisa ser assentada sob elevados custos para a sociedade. E o melhor: quer continuar no extrativismo e reivindica esse direito.

*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

Livro Ciliar Só Rio Acre

Livro Ciliar Só Rio Acre