terça-feira, 9 de maio de 2023

Fim do Florestania no Acre: Razões para o fracasso

 * Ecio Rodrigues

Após reconhecido sucesso em 1999, o projeto de governo denominado Florestania, um neologismo criado para sintetizar um conceito abstrato de cidadania associado ao crescimento econômico ancorado na biodiversidade florestal, chegaria ao fracasso nas eleições de 2018 e 2022 de forma, no mínimo, constrangedora.

Explicar o significado do Projeto Florestania não é tarefa fácil.

A despeito da popularidade adquirida, sobretudo no Acre e em Brasília, por meio de farto investimento em publicidade governamental, o neologismo se mostrou carente de objetividade e demasiado amplo o que, todos haverão de convir, torna qualquer tentativa de definição pouco precisa.

Acontece que ao incluir aspectos culturais, econômicos, sociais, ecológicos e políticos o Florestania não conseguiu escapar à costumeira e perigosa generalização que, como mostra farta literatura em ciência política, pode proporcionar algum sucesso eleitoral, mas, em contrapartida, fracassará na concertação do pacto social para garantir sua continuidade e, no caso do Florestania, um futuro diferente para o Acre.

Por sinal, analisando com o distanciamento que só o tempo permite, ao que tudo indica o propósito da equipe que concebeu o neologismo foi o de agregar todas as correntes de pensamento existentes no Acre, de maneira a firmar uma frente eleitoral para conquistar e manter o comando do governo estadual para sempre.

Ao partir dessa diretriz, na qual todos os modelos de economia estadual são aceitáveis e possíveis pela técnica, se reduziria o risco da perda de apoio político.

Tornar mais claro e específico o conceito de Florestania acarretaria, de outra banda, a exclusão de um determinado ator social ou agente econômico, o que aumentaria em igual proporção o risco eleitoral.

E perder eleições, infelizmente, era inadmissível para os líderes políticos do Projeto Florestania.

Não à toa, a generalização tornou possível manter por um bom tempo uma frente ampla, que abarcou todos os espectros políticos com partidos de esquerda, centro e de direita.

Ninguém ficou fora do bônus eleitoral. O Projeto Florestania escancarou a porta para aliciar todos e olha que foram muitos, que não contestassem seus líderes políticos.

E deu certo.

É inegável que em certo momento da história política do Acre, a sociedade formou uma maioria de eleitores, aglutinados em torno de líderes políticos jovens que inspiravam as pessoas com a novidade trazida pelo Florestania.

Naquele momento histórico parecia que nada poderia dar errado, mas deu!

Claro que se trata de uma discussão deveras complexa e para ajudar a entender esse período único da incipiente política no Acre, nada mais prudente que resgatar um pouco dos clássicos.

Dentre os vários estudos especializados na análise de processo político e de governo, consagrados em extensa literatura, a teoria sobre Planejamento Estratégico Situacional, elaborada pelo economista chileno Carlos Matus ainda na década de 1970, pode elucidar alguns pontos importantes para entender o sucesso e falência do Projeto Florestania de governo no Acre.

Com a experiência adquirida na assessoria de Salvador Allende, que governou o Chile de 1970 a 1974, Matus concebeu o que denominou de Triangulo de Governo, um conjunto de 3 sistemas considerados determinantes para que uma nova força política conseguisse satisfazer as demandas de curto prazo da população ao mesmo tempo em que criava bases econômicas para um desenvolvimento sustentável e de longo prazo.

Matus defendia que sem prevalência ou importância diferenciada, cada vértice deveria ser analisado em separado desde que, contudo, caminhassem juntos de modo a manter o equilíbrio.

Resumindo, o inevitável fracasso do governo ocorreria se apenas um dos três vértices deixasse de funcionar.

Assim, Matus definiu o Triangulo de Governo composto da seguinte forma:

Projeto de Governo – Delimita um rumo ou uma ideia força que aglutina os atores sociais e agentes econômicos em torno de um modelo para o desenvolvimento permanente da região no longo prazo, ultrapassando por óbvio o horizonte temporal de 4 anos de mandato;

Capacidade de Governo – Representa o somatório da infraestrutura existente nos órgãos de governo incluindo a equipe técnica disponível e com competência suficiente para tornar realidade o Projeto de Governo, considerando ano após ano a demanda imediata e futura da sociedade; e,

Governabilidade – Reúne as forças políticas e eleitorais cujas características e concepções ideológicas permitem solidificar o comprometimento com o Projeto de Governo, fornecendo o lastro social requerido para evitar ruptura, retrocesso e, o mais grave, descontinuidade.  

Em seu célebre livro “Adeus Senhor Presidente”, Matus faz uma analogia ao contar a história de um político que sai, pela porta dos fundos, da vida pública após fracassar no seu mandato.

Desiludido, enquanto recebe o adeus melancólico de assessores próximos, o político revisa suas decisões enquanto exerceu a presidência para entender as razões da péssima avaliação de seu governo.

Para os que leram o livro um alerta: qualquer semelhança com a realidade política do Acre no pós-2018 não será mera coincidência.

Esse é o desafio iniciado aqui e em outros nove artigos.

Ajudar a compreender a raiz do problema que acarretou o fracasso do Florestania, um projeto político e eleitoral que pareceu, até 2018, bastante sólido e invencível.

Claro que algumas pedras dessa barragem, com perdão do duplo sentido, começaram a ruir bem antes. Encontrá-las será crucial para história política do Acre. 

 

*Engenheiro florestal (UFRuRJ), mestre em Política Florestal (UFPR) e doutor em Desenvolvimento Sustentável (UnB).

 

Livro Ciliar Só Rio Acre

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