Desmatamento
retarda chuva, prejudicando safra de soja na Amazônia
* Ecio Rodrigues
Estudo
levado a cabo no extremo sul da Amazônia, área que engloba porção do Mato
Grosso e Pará e onde se concentra parte considerável da produção de soja no
país, reforça a dependência direta que existe entre o desmatamento e a
pluviosidade local.
Para
os familiarizados com o tema, a intrínseca relação entre água e floresta na
Amazônia não é novidade.
Vale
lembrar, por exemplo, pesquisa publicada em 2017, realizada por cientistas das
universidades de Princeton e Miami (Jaya Khanna, David Medvigy, Stephan
Fueglistaler e Robert Walko), demonstrando que em Rondônia passou a chover mais
na parte desmatada e menos, na parte com floresta.
Ou
seja, de acordo com os estudiosos americanos, o desmatamento é responsável –
para o caso de Rondônia, frise-se – pela alagação na parte desmatada e pela
seca na área com floresta remanescente.
Desta
feita, pesquisa empreendida durante 5 anos por Argemiro Teixeira Filho, sob orientação
do professor Marcos Heil Costa, da Universidade de Viçosa, divulgada no
conceituado “Journal of Geophysical Research”, propôs-se a analisar de que
maneira o desmatamento perturba a distribuição das chuvas.
Consistia,
a ideia básica, em entender como a retirada da floresta na Amazônia poderia afetar
a distribuição mensal de pluviosidade numa determinada área de influência da localidade
em que se deu o desmatamento.
As
conclusões a que chegaram os pesquisadores não deixam dúvidas. Os dados por
eles obtidos demonstram que a retirada de 50% a 60% da cobertura florestal
original pode retardar o regime pluviométrico em até uma semana, em comparação com
o que ocorre normalmente.
Ainda
que aparentemente não seja muito, para o agronegócio esse retardamento do
início das chuvas pode inviabilizar o cultivo de algumas espécies valiosas,
tais como soja e milho.
Acontece
que, enquanto não começa a chover, o produtor não dá início ao plantio.
Entretanto,
essas espécies, carro-chefe do agronegócio nacional, são commodities, ou seja, produtos
negociados no mercado futuro e, por isso, sujeitos a rígidos custos e rigoroso
calendário de produção.
A produção
brasileira perde competitividade na hipótese de não ocorrerem duas safras
anuais. Por outro lado, não pode haver irrigação artificial, pois isso
aumentaria os custos e – de novo – comprometeria a competitividade perante a
produção dos chineses e dos americanos.
Considerando
essa dependência do agronegócio em relação ao regime de chuvas, chega-se a um paradoxo,
que pode ser expresso da seguinte maneira:
O desmatamento de extensa
área de floresta nativa amazônica fornece o solo para cultivo de soja e milho em
grande escala, possibilitando a venda dessas espécies no mercado internacional;
contudo, a retirada da floresta compromete o regime de chuvas, reduzindo a
produtividade e frustrando a comercialização das commodities.
Para
resumir, o desmatamento da floresta fornece o solo, viabilizando o cultivo de
soja e milho no sul da Amazônia, mas retira a água, o que inviabiliza a
produção.
Evidências
científicas demonstrando a relação entre desmatamento e pluviosidade na
Amazônia não param de surgir e atestam o comprometimento – seja na quantidade ou
na distribuição da água – do regime de chuvas na própria região em que houve o
desmatamento.
O
desmatamento que substitui a floresta por soja, a despeito de legalizado, compromete
a água e a competitividade da economia da Amazônia.
*Professor
Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista
em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do
Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de
Brasília.