Queimadas no Acre
superam média de 20 anos
* Ecio Rodrigues
Pelo
terceiro mês consecutivo (maio, junho e julho), o número de focos de calor no
Acre superou a média mensal registrada desde 1998 pelo reconhecido Inpe (Instituto
Nacional de Pesquisas Espaciais).
Pode
ser que os órgãos estaduais responsáveis pelo controle das queimadas estejam
atentos a essa perigosa realidade, prenunciadora de desastres.
Mas,
pode ser que não.
As
estatísticas demonstram um histórico verdadeiramente preocupante, revelador de
uma atuação tímida para impor sanções aos pequenos, médios e grandes produtores
rurais, em especial aos criadores de boi, no propósito de banir essa nefasta
prática agrícola.
Por
omissão ou falta de senso de gravidade, a ação governamental nunca assumiu
postura decisiva no sentido de, por exemplo, proibir a queima de áreas recém-desmatadas.
E desde sempre, a desculpa para a condescendência do poder público é que o
produtor assentado precisa queimar para produzir.
Se já era descabido na década de 1990, esse
argumento hoje em dia é absurdo. Por uma razão singela: há pelo menos 10 anos não
acontece assentamento rural no Acre; quer dizer, não existe possibilidade de um
produtor não conseguir formar um roçado e chegar a passar fome, se não queimar.
Por
sinal, a relação entre desmatamento, queimada e fome, repetida tal qual
ladainha, principalmente em períodos eleitorais, é enganosa, e leva boa parte da
classe média urbana a acreditar que a queimada é um “mal necessário”,
inevitável para atenuar a miséria de produtores que, se não atearem o fogo,
morrem de fome.
Nada
disso faz sentido. Há muito tempo a Embrapa, que possui excelência em produção
rural na Amazônia, vem demonstrando que a queimada não é questão de necessidade,
mas sim uma opção de investimento do produtor para reduzir custos com a mecanização.
Outra
constatação importante para desmistificar a infundada noção do agricultor
esfomeado, que emprega a queimada como último recurso para viabilizar sua
produção, é bem mais simples do que se imagina. Ocorre que a maior parte das
áreas queimadas todos os anos no Acre é constituída por pastos já formados.
Queima-se
o pasto para adubar a terra, renovar o capim e, quiçá, aumentar a quantidade de
gado que aquela superfície suporta. O produtor, seja de que tamanho for a
propriedade, espera ganhar mais dinheiro com a queimada, aumentar os lucros. Ele
não precisa queimar, ele queima porque pode – e porque é mais barato.
A se
confirmar a hipótese da indiferença governamental, a tragédia será inevitável.
Parece
oportuno, então, mesmo correndo o risco de soar deveras repetitivo, um
esclarecimento sobre o que consiste, de fato, a tragédia anunciada – na vã tentativa
de, quem sabe, atrair o interesse do governo, o da hora e o próximo.
A tragédia
decorrente das queimadas diz respeito ao somatório de impactos nocivos ao bioma
florestal e às pessoas que nele habitam. Duas consequências de âmbito local e
uma de alcance mundial merecem destaque: seca do rio Acre, problemas
respiratórios em crianças e aquecimento do planeta.
Não
precisa pensar muito, até o mais ardoroso desenvolvimentista haverá de
aquiescer que toda prática que aumenta a renda da produção rural, mas causa danos
à água, às crianças e ao planeta, traz mais prejuízo que lucro para a sociedade.
A
conclusão é óbvia: não há razões para procrastinar, tolerância zero contra as queimadas,
já.
*Professor
Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista
em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do
Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de
Brasília.