segunda-feira, 28 de maio de 2012


Código Florestal pode ser decidido no Supremo
* Ecio Rodrigues
Está pleno de vícios legislativos o processo que culminou com o veto parcial, por parte da Presidente Dilma, da proposta de novo Código Florestal. Em todas as vezes que o projeto transitou, de uma Casa Legislativa para outra (da Câmara dos Deputados para o Senado e vice-versa), e, finalmente, do Congresso para o Gabinete Civil da Presidência, foram realizadas alterações que ferem o procedimento legislativo vigente.
O certo é que, diante da incapacidade dos parlamentares para negociar e aprovar um código florestal que repercuta a vontade de seus representados – ou seja, da sociedade brasileira -, nas propostas aprovadas em cada instância prevaleceu o privilégio de alguns, em detrimento do que era o melhor para o país.
O acordo realizado no Senado - que resultou na versão mais factível de todas as propostas de código florestal aprovadas até o momento - foi desfeito pelos deputados federais, que, embalados por uma alargada bancada de ruralistas, modificaram o que não podiam, e deixaram para a Presidência da República negociar a indignação da sociedade, que exigiu o veto total.
O veto total não veio (infelizmente), mas os técnicos do executivo tentam agora fazer o inusitado: retornar ao acordo feito no Senado, com o apoio dos próprios ruralistas, e ao mesmo tempo, favorecer o agricultor familiar, penalizando o grande proprietário.
Obviamente, a intenção do Executivo – de difícil consecução, observe-se – é a de, por um lado, fomentar o desgaste ocorrido entre as duas casas legislativas, já que os senadores preparavam uma nova versão do código, sob o argumento de rever os erros cometidos na Câmara dos Deputados; e de outro lado, tirar dos ruralistas a possibilidade de usar como pretexto o interesse pequeno produtor, sempre brandido para garantir as reivindicações do agronegócio.
Para entender melhor: tudo começou quando a bancada ruralista da Câmara dos Deputados, sempre surfando na ampla maioria, aprovou, em maio de 2011, uma proposta de código florestal que desagradou a todos, inclusive ao próprio governo.
No cerne do desagrado geral estava o alto risco de elevação das taxas de desmatamento (na Amazônia) que essa proposta embutia. Acontece que, além de anistiar os produtores que já tinham desmatado de forma ilegal, a proposta dos deputados incentivava o avanço do desmatamento sobre a mata ciliar dos rios.
No Senado, essa proposta foi revista, e a anistia foi excluída. Foi negociado um amplo prazo para a recomposição do desmatamento ilegal (em torno de 5 anos), e definida uma faixa de mata ciliar sobre a qual a pecuária não poderia avançar. A proposta dos senadores trazia ainda uma série de dispositivos que convertiam as formações florestais em ativos, que, no futuro, poderiam remunerar o produtor que conservasse as florestas.
Desgostosos com a mudança feita pelos senadores, os deputados federais aprovaram uma nova proposta, ampliando a anistia, e praticamente abolindo a obrigatoriedade de manutenção da mata ciliar. O risco da elevação da taxa de desmatamento foi para as alturas.
Mediante o veto parcial, a Presidente Dilma retoma a proposta do Senado; ou seja, volta o prazo de cinco anos para a legalização dos infratores, e volta a imposição da faixa de mata ciliar. O risco de ampliação do desmatamento foi reduzido, embora continue existindo.
Os deputados se precipitaram em alterar a proposta do Senado, incluindo dispositivos que não poderiam ser adicionados, enquanto o Executivo fez o mesmo com a proposta dos deputados.
Mais uma vez, a democracia se fragiliza, e a decisão acabará nas mãos de um grupo de juízes do Supremo Tribunal Federal, sem a participação da sociedade - o que é uma pena.

 * Professor da Universidade Federal do Acre (Ufac), Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (UnB).

segunda-feira, 21 de maio de 2012


Rio + 20 é o principal evento internacional de 2012
* Ecio Rodrigues
Em meio à enorme expectativa despertada pelo conjunto inédito de competições esportivas (Copa das Confederações em 2013, Copa do Mundo em 2014 e Olimpíadas em 2016) a ser realizadas no Brasil, fica difícil perceber a importância de um evento como a 3ª Conferência da ONU sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Cnumad, na sigla em português), que acontecerá em junho de 2012 no Rio de Janeiro.
Trata-se da denominada Rio + 20, uma reunião envolvendo os países associados às Nações Unidas, cujo objetivo, em tese, é o de dar continuidade aos debates iniciados em 1992, durante a segunda Cnumad, que ficou conhecida como Rio 92, ou Eco 92.
A primeira Cnumad ocorreu em Estocolmo, na Suécia, em 1972. Foram necessários 20 anos para que os países percebessem a urgência de voltar a discutir o tema da crescente exploração de recursos naturais e as consequências dessa exploração desenfreada para o equilíbrio ambiental do planeta.
Na primeira conferência, debateu-se a mandatória necessidade de serem impostos limites ao crescimento econômico - o que trouxe uma divergência acirrada entre as nações participantes. De um lado, estavam os países que se encontravam num grau avançado de desenvolvimento, o que lhes permitia níveis elevados de consumo; de outro lado, as nações que almejavam chegar àquele mesmo estágio de desenvolvimento, e que, por isso, não aceitavam limitar o seu crescimento.
Enquanto que, em 1972, a discussão se deu em torno da limitação do crescimento - uma vez que o planeta não aguentaria um padrão global de consumo equivalente, por exemplo, ao do povo americano -, em 1992, os chefes de Estados se preocuparam em conceituar a noção de desenvolvimento sustentável, bem como em definir as bases para o alcance da sustentabilidade em âmbito mundial.
Obtendo-se um resultado considerado excepcional, foram firmados na Rio 92 um conjunto de três importantes Convenções, que mudariam, dali em diante, a percepção das sociedades humanas, em todas as nações do Globo, sobre o seu modo de vida e a sua rotina cotidiana.
Os mais apressados e ansiosos (geralmente aqueles de mais tenra idade) costumam afirmar que nada mudou, ainda que muito se tenha discutido. Não é bem assim. Detendo-se num único aspecto das transformações trazidas pela Rio 92,  o contexto de atuação de diversas profissões foi profundamente alterado, depois da edição das convenções do Clima, da Diversidade Biológica e da Agenda 21.
Os arquitetos tiveram que rever concepções antigas de qualidade do ambiente construído, a fim de se adequarem ao novo conceito de sustentabilidade que previa o aproveitamento da luz natural, da água das chuvas, e de outros elementos naturais. Os engenheiros civis, por sua vez, sofreram para se adaptar às novas regras de licenciamento ambiental, de forma que suas obras se aproximassem do modelo imposto pelo ideário do desenvolvimento sustentável.
Os engenheiros florestais viram sua profissão renascer, sob uma nova e promissora perspectiva, passando de plantadores de eucalipto e pinus - árvores destinadas à confecção de papel e à oferta de madeira -, a uma atuação profissional cujas referências principais são a formação da floresta cultivada e a manutenção da floresta nativa. Aliás, se houve uma profissão afetada em sua quase totalidade pelo novo ideário da sustentabilidade foi a Engenharia Florestal.
Não há dúvida de que o mundo mudou sensivelmente, desde a realização da Rio 92, e em razão dos resultados nela obtidos. Da mesma maneira de que não há dúvida de que essa mudança havia sido discutida e de certa forma iniciada em 1972.
A Rio + 20, a despeito do fato de não lotar estádios, e de poucos se darem conta da sua importância, certamente integrará essa pequena lista de eventos que mudam a vida da humanidade.        

* Professor da Universidade Federal do Acre (Ufac), Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (UnB).

segunda-feira, 14 de maio de 2012


Por uma nova governança florestal para a Amazônia
* Ecio Rodrigues
Constata-se, no Brasil, uma conjugação de fatores que justificam o surgimento de uma nova governança florestal para o país. A ação pública estatal voltada para o tema das florestas, na forma como atualmente é praticada, além de tímida, depara-se com dificuldades insuperáveis.
O Estado é tímido para lidar com as florestas, em primeiro lugar, porque toda a política florestal nacional se encontra sob a chancela do Ministério do Meio Ambiente – órgão que é cheio de incoerências e passa por uma crise letal de identidade desde 2003.
Acontece que, em geral, ambientalistas não se entusiasmam com a área da produção – não gostam de produzir bens, e tampouco gostam que outros produzam. Acreditam que a humanidade viveria bem melhor com menos da metade de tudo o que se produz atualmente.
Como as florestas, por sua própria natureza, e como acontece há milhares de anos, têm como desígnio a produção de um variado leque de bens e serviços (todos, diga-se, de primeira e absoluta necessidade para a humanidade), a crise entre produzir e não produzir é manifesta.
No cotidiano da governança florestal nacional, as coisas acontecem mais ou menos assim: enquanto um grupo (pequeno) se esforça para resolver, por exemplo, questões relacionadas à ampliação da área de florestas plantadas, à inclusão de espécies nativas nos plantios, ao acesso dos plantios ao pagamento por assimilação de carbono, e assim por diante, outro grupo (grande) se volta, por exemplo, para acabar com os plantios florestais de eucalipto.
Em relação ao ecossistema florestal da Amazônia não é diferente. Enquanto o mesmo pequeno grupo se debate para fazer com que o manejo florestal de uso múltiplo se consolide como tecnologia apropriada de exploração florestal, um grande grupo discute o fechamento das serrarias que atuam na região e geram centenas de empregos na área florestal.
Além dessa antiga e permanente cantilena acerca do padrão de consumo da humanidade, a governança florestal realizada pelo Ministério do Meio Ambiente parece não conseguir suplantar uma intrínseca aptidão para atuar como uma organização não governamental.
Essa vocação para ONG vem desde a criação da pasta, mas é inegável que a partir de 2003 foi fortemente acentuada. Perdida na elaboração de cartilhas (muitas cartilhas) e materiais direcionados para a sensibilização pública, a governança florestal não se dá conta da magnitude que tem sob a sua jurisdição, representada pela área ocupada pelo ecossistema florestal da Amazônia.
Prefere ater-se a algum projetinho para alguma pequena localidade que tem uma pequena prefeitura, cujo prefeito - uma exceção, sempre - sonha em instalar um aterro sanitário, já que não consegue realizar coleta seletiva de lixo.
Vocação para ONG significa mais que atuar no varejo, sob interesses limitados; significa pequenez para discutir e pôr em prática uma política florestal que responda aos anseios mundiais, tanto em relação ao uso e não uso do ecossistema florestal da Amazônia, quanto no que diz respeito à imprescindível ampliação da área florestal plantada no país.
Voltando às dificuldades intransponíveis para a governança florestal nacional, parece que jamais, em hipótese alguma, o país vai conseguir consolidar um mercado para sementes florestais nativas, ou para carne de animais silvestres. Nunca, no Brasil, um supermercado, ainda que localizado em Manaus ou em Belém, poderá oferecer carne de paca, queixada, cateto ou capivara.
Pior ainda, jamais, no Brasil, será possível comprar-se, legalmente, um papagaio. Por sinal, eles, os papagaios, andam falando tudo quanto é língua por aí, menos o português brasileiro.


* Professor da Universidade Federal do Acre (Ufac), Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (UnB).

Livro Ciliar Só Rio Acre

Livro Ciliar Só Rio Acre