Código Florestal pode ser
decidido no Supremo
* Ecio Rodrigues
Está pleno de vícios legislativos o processo que culminou com o veto
parcial, por parte da Presidente Dilma, da proposta de novo Código Florestal. Em
todas as vezes que o projeto transitou, de uma Casa Legislativa para outra (da
Câmara dos Deputados para o Senado e vice-versa), e, finalmente, do Congresso
para o Gabinete Civil da Presidência, foram realizadas alterações que ferem o
procedimento legislativo vigente.
O certo é que, diante da incapacidade dos parlamentares para negociar e
aprovar um código florestal que repercuta a vontade de seus representados – ou
seja, da sociedade brasileira -, nas propostas aprovadas em cada instância
prevaleceu o privilégio de alguns, em detrimento do que era o melhor para o
país.
O acordo realizado no Senado - que resultou na versão mais factível de
todas as propostas de código florestal aprovadas até o momento - foi desfeito
pelos deputados federais, que, embalados por uma alargada bancada de
ruralistas, modificaram o que não podiam, e deixaram para a Presidência da
República negociar a indignação da sociedade, que exigiu o veto total.
O veto total não veio (infelizmente), mas os técnicos do executivo tentam
agora fazer o inusitado: retornar ao acordo feito no Senado, com o apoio dos próprios
ruralistas, e ao mesmo tempo, favorecer o agricultor familiar, penalizando o
grande proprietário.
Obviamente, a intenção do Executivo – de difícil consecução, observe-se –
é a de, por um lado, fomentar o desgaste ocorrido entre as duas casas
legislativas, já que os senadores preparavam uma nova versão do código, sob o
argumento de rever os erros cometidos na Câmara dos Deputados; e de outro lado,
tirar dos ruralistas a possibilidade de usar como pretexto o interesse pequeno
produtor, sempre brandido para garantir as reivindicações do agronegócio.
Para entender melhor: tudo começou quando a bancada ruralista da Câmara
dos Deputados, sempre surfando na ampla maioria, aprovou, em maio de 2011, uma
proposta de código florestal que desagradou a todos, inclusive ao próprio
governo.
No cerne do desagrado geral estava o alto risco de elevação das taxas de
desmatamento (na Amazônia) que essa proposta embutia. Acontece que, além de anistiar
os produtores que já tinham desmatado de forma ilegal, a proposta dos deputados
incentivava o avanço do desmatamento sobre a mata ciliar dos rios.
No Senado, essa proposta foi revista, e a anistia foi excluída. Foi negociado
um amplo prazo para a recomposição do desmatamento ilegal (em torno de 5 anos),
e definida uma faixa de mata ciliar sobre a qual a pecuária não poderia
avançar. A proposta dos senadores trazia ainda uma série de dispositivos que convertiam
as formações florestais em ativos, que, no futuro, poderiam remunerar o
produtor que conservasse as florestas.
Desgostosos com a mudança feita pelos senadores, os deputados federais
aprovaram uma nova proposta, ampliando a anistia, e praticamente abolindo a
obrigatoriedade de manutenção da mata ciliar. O risco da elevação da taxa de
desmatamento foi para as alturas.
Mediante o veto parcial, a Presidente Dilma retoma a proposta do Senado;
ou seja, volta o prazo de cinco anos para a legalização dos infratores, e volta
a imposição da faixa de mata ciliar. O risco de ampliação do desmatamento foi reduzido,
embora continue existindo.
Os deputados se precipitaram em alterar a proposta do Senado, incluindo dispositivos
que não poderiam ser adicionados, enquanto o Executivo fez o mesmo com a
proposta dos deputados.
Mais uma vez, a democracia se fragiliza, e a decisão acabará nas mãos de
um grupo de juízes do Supremo Tribunal Federal, sem a participação da sociedade
- o que é uma pena.
* Professor da
Universidade Federal do Acre (Ufac), Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal
e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná
(UFPR) e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de
Brasília (UnB).