* Ecio Rodrigues
Numa
articulação inédita, um grupo de organizações não governamentais (entidades que
costumam ser execradas pelo governo federal) se uniu a um pool de empresas do
agronegócio (tratadas, por sua vez, com muito carinho pelo Ministério do Meio
Ambiente) para apresentar propostas direcionadas a conter o desmatamento na
Amazônia.
Intitulado
“Ações para a Queda Rápida do Desmatamento”, o documento resultante dessa
articulação, assinado por mais de 200 organizações e indivíduos que representam
setores do agronegócio; instituições financeiras; organizações não
governamentais ou da sociedade civil; acadêmicos e pesquisadores, aponta 6 medidas
– que, entretanto, são decepcionantes.
Antes
das críticas, importa reconhecer o esforço realizado por esses atores sociais
ao se articular no âmbito de um movimento autodenominado (de forma um tanto
pomposa) “Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura”.
Não há
dúvida que o concerto entre atores e agentes econômicos proeminentes no cenário
amazônico (sem a participação deletéria do governo federal), com o fim de
discutir medidas para refrear a destruição florestal na região, se reveste de grande
significado e é digno de reconhecimento.
Porém,
e lamentavelmente, as 6 propostas que resultaram da coalizão decepcionam,
diante do seu elevado grau de obviedade, e também porque reforçam erros que são
repetidos há mais de 30 anos, com exageros que dificultam ou inviabilizam a
execução das medidas sugeridas.
São propostas
que, em suma, representam muito mais do mesmo. Senão vejamos.
Dentre
as 6 ações alvitradas, logo de cara a primeira delas fornece uma ideia do hiato
de soluções. Descrita como “Ação #1: Retomada e intensificação da fiscalização,
com rápida e exemplar responsabilização pelos ilícitos ambientais identificados”,
a proposta insiste num diagnóstico muito equivocado: o de que falta dinheiro
para fiscalização.
Não existe
demanda por “retomada da fiscalização”, posto que jamais o país deixou de
desperdiçar recursos públicos em demasia numa atividade que fornece retorno
questionável para a sociedade, a despeito de seu elevado custo.
Fiscalizar
é exercitar o poder de polícia para intimidar o produtor rural, que, como faz
há décadas, e muitas vezes amparado pela legislação, voltará a investir no
desmatamento e na queimada depois da passagem do comboio da operação policial –
que tanto agrada a imprensa mas é de inutilidade amplamente comprovada pelas estatísticas.
A proposta
traz ainda o devaneio – comum, diga-se – de que a responsabilização deve
ocorrer sob “rapidez” (o que é impraticável, diante dos procedimentos exigidos
pela legislação), tudo bem distante da realidade, e a insinuação de que existe impunidade,
o que carece de comprovação. Mas a coisa piora.
Devaneio
maior aparece na “Ação #2: Suspensão dos registros do Cadastro Ambiental Rural
que incidem sobre florestas públicas e responsabilização por eventuais
desmatamentos ilegais”.
Assusta
imaginar que um grupo tão representativo acredite, e novamente sem comprovação científica,
que exista a possiblidade de o CAR admitir a inscrição de terras públicas (tais
como unidades de conservação e terras indígenas) como propriedade particular.
Além
do fato de a tecnologia do geoprocessamento não ensejar mais nenhuma dúvida
quanto à localização da terra, o procedimento de regularização fundiária segue
um rito demorado e complexo, previsto em leis e regulamentos, sendo impossível
que a titulação ocorra sem a devida segurança jurídica.
Continuando,
a terceira proposição se refere ao reconhecimento de terras indígenas e à
criação de 10 milhões de hectares de áreas protegidas na forma de unidades de
conservação – e tudo isso dentro do prazo infantil de 90 dias.
A
criação de áreas protegidas por lei certamente contribui para reduzir a
superfície de terras cobertas por florestas disponível para desmatamento; contudo,
e como evidencia uma série de estudos, essa medida não alcança o desmatamento e
as queimadas que ocorrem em mais de 50% do território, ocupado por propriedades
particulares.
As
demais ações sugeridas seguem o mesmo princípio de negação do desmatamento e da
queimada como decisão de investimento do produtor. Ora tratado como egoísta,
ora como perdulário, o produtor nunca é visto como um investidor que queima e
desmata porque o ambiente de negócios (sem trocadilho) é favorável à criação de
boi.
Enfim,
percebe-se com facilidade que as 6 propostas fogem do problema e, pior, estão
contaminadas pela ideia estúpida de que a grilagem de terras é realidade
corriqueira na região.
O
mais triste é constatar que se desperdiçou uma grande oportunidade para apontar
a causa real da destruição da floresta na Amazônia: a criação de boi.
Longe
de colocar o guiso no pescoço da pecuária extensiva, a coalizão tergiversa em
indiretas para o governo federal, não enxergando que a solução é barata e
simples. Bastaria que o FNO suspendesse, por pelo menos 5 anos, o financiamento
concedido à atividade da pecuária na Amazônia.
Embora
seja medida que exija coragem e cause desgaste político, a suspensão do crédito
subsidiado para a criação de boi traria claridade ao céu cinza da Amazônia.
*Professor
Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista
em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do
Paraná, e doutor