segunda-feira, 24 de outubro de 2022

Vote pela Amazônia

 * Ecio Rodrigues

Para que a discussão em torno do futuro da Amazônia avance é preciso levar em conta duas constatações comprovadas em teses de doutorado e pesquisas científicas consumadas no âmbito de instituições do porte da Embrapa e do Inpa, que gozam de amplo reconhecimento internacional.

Em primeiro lugar, o desmatamento é de longe o maior problema social, econômico e ecológico da região, sendo que a superação desse problema depende de um esforço concentrado de políticas públicas.

Em segundo lugar, a principal responsável pelo desmatamento é a pecuária extensiva praticada nos moldes atuais, ou seja, uma atividade que ostenta produtividade sofrível (2 hectares de pasto por cabeça), que só se viabiliza porque conta com fartura de terras e crédito barato assegurado pelo FNO, além de não pagar pela água que o boi bebe.

Só quando essas premissas forem reconhecidas e assumidas, os políticos e os gestores por eles nomeados entenderão que para alcançar o desmatamento zero – uma imposição do mundo aos brasileiros, sobretudo a partir da celebração do Acordo do Paris em 2015 – é imprescindível, antes de tudo, desincentivar a primitiva prática da criação extensiva de boi.

Uma decisão complexa, que requer compreensão da dinâmica do desmatamento na Amazônia.

Os dados coletados pelo conceituado Inpe desde 1988 demonstram que, da mesma maneira como acontece em quase toda análise estatística de eventos sociais e econômicos, a curva do desmatamento exibe uma porção inercial.

Esse efeito inercial aparece justamente porque a resolução de desmatar é uma decisão privada de investimento e, em tal condição, envolve análise precedente de custos e receitas, o que o produtor costuma fazer no ano anterior.

Não é por acaso que se deita ênfase, aqui (como também em todos os outros artigos publicados neste espaço), na motivação econômica da destruição florestal.

Explicando melhor. O produtor que pretende ampliar seu pasto e, por conseguinte, seu gado (quase sempre usando o fogo para limpar o solo antes de plantar capim), precisa planejar o investimento com pelo menos um ano de antecedência.

Significa dizer que o desmatamento de 2023 está sendo decidido agora. 

Cumpre enfatizar que o boi solto no pasto domina a paisagem rural da Amazônia, sendo encontrado nas grandes propriedades, que somam mais de 1.000 hectares, mas também nas pequenas, que não chegam a 100 hectares.

Por sinal, está na agricultura familiar e nos pequenos rebanhos o maior entrave para a redução – muito necessária – do crédito rural disponibilizado pelo Pronaf, que prioriza o exercício da pecuária extensiva.

É inegável, claro, a importância social do gado para o pequeno produtor. Entretanto, sob essa justificativa vão se criando cada vez mais empecilhos que entravam a restrição do financiamento público oferecido à pecuária e, em consequência, ao desmatamento.

Enfim, por um lado, encarar o desafio de reduzir de maneira drástica o apoio estatal à criação extensiva de gado significa enfrentar o poder político dos pecuaristas.

Por outro, significa enfrentar o poder político da agricultura familiar. Afinal, é equivocada a ideia recorrente de que apenas a grande propriedade cria boi e desmata.

A empreitada, há de se convir, não é nada animadora. Mas não existe plano B.

A conclusão é simples. Para alcançar o desmatamento zero na Amazônia, o crédito fornecido ao boi solto no pasto também deve ser zerado. Para os grandes produtores e para os pequenos.

Quem é capaz de vencer esse desafio? Pense na Amazônia e vote por ela.

 

*Engenheiro florestal (UFRuRJ), mestre em Política Florestal (UFPR) e doutor em Desenvolvimento Sustentável (UnB).

 

 

segunda-feira, 3 de outubro de 2022

Vote pelo rio Acre

 * Ecio Rodrigues

Nos últimos cinco meses, desde maio de 2022, a quantidade de queimadas no Acre superou a média mensal dos últimos 24 anos sendo que no dia 27, para ser bem exato, ocorreu o recorde para o mês de setembro.

Desde 1998, quando o conceituado Inpe iniciou as medições sobre focos de calor na Amazônia, nunca em setembro se ultrapassou o recorde de 6.506 queimadas.

Para os que não entendem, queimadas são realizadas pelo agronegócio da criação extensiva de boi. 

Estudos recentes demonstram que a incidência de focos de calor na mata ciliar é maior que aquela observada fora da faixa de floresta fixada pelo Código Florestal para proteção dos rios na Amazônia.

Por outro lado, nos últimos 40 anos o desmatamento em toda bacia hidrográfica do rio Acre causou uma taxa de erosão que ultrapassou o ponto da capacidade natural de regeneração.

Em síntese pode-se afirmar, com muita segurança científica, que somente com uma ação decisiva do governo que assumirá em janeiro de 2023 o rio Acre poderá reverter a tendência de degradação que acarreta, com periodicidade anual, secas e alagações extremas.

O fim desse cenário desanimador todo mundo conhece. Exemplos como o do canal da maternidade se repetem na capital e nos oito municípios do interior abastecidos pelo rio Acre.

Explicando melhor, o ponto de não retorno às características hidrológicas de origem acontece, em síntese, assim: a degradação do rio ultrapassa o intolerável; até que não há saída técnica que promova a resiliência e a restauração ecológica do rio; daí as taxas de dejetos domésticos e industriais transformam o rio em canal de esgoto.

Continuando o processo, a população deixa de reconhecer a importância ecológica, econômica e cultural do rio; a concretagem do ex-rio agora canal de esgoto se transforma em demanda eleitoral; e, enfim, a canalização do esgoto e urbanização da margem será a única e nefasta opção.

Por óbvio, a solução para resgatar as características hidrológicas do rio Acre é aumentar sua resiliência.

Entenda-se por resiliência a capacidade natural que os cursos de água possuem de agüentar e se recuperar das agressões, em especial o assoreamento decorrente da erosão que, por sua vez, se origina no desmatamento em toda bacia hidrográfica.

Concluindo, a resiliência do rio está diretamente vinculada ao equilíbrio hidrológico, intensidade de sua vazão, desobstrução do leito e uma série de variáveis, sendo a principal delas o desmatamento nas margens e na área de influencia direta da bacia hidrográfica.

No rio Acre, tanto a retirada da mata ciliar que chega a 70% da faixa prevista no Código Florestal, quanto na área crítica situada entre o leito do rio e a BR 317 em que o desmatamento em algumas cidades supera 80%, o comprometimento da resiliência do rio passou do limite.

Finalmente, discursos e declarações de amor, repetidos para angariar simpatias e votos, estão longe de atender a urgência da política pública que o rio Acre vai demandar em 2023.

Aos eleitores indiferentes à degradação ecológica, restaria ainda apelar para a importância do rio Acre na condição de única fonte de abastecimento urbano de água tratada para a imensa maioria da população acreana.

Hoje, dia dois de outubro, no momento do voto, pense na resiliência do rio Acre.

 

*Engenheiro Florestal (UFRuRJ), mestre em Política Florestal (UFPR) e doutor em Desenvolvimento Sustentável (UnB).

Livro Ciliar Só Rio Acre

Livro Ciliar Só Rio Acre