Contrabando
de castanha para Bolívia não existe
* Ecio Rodrigues
A Bolívia figura, desde a década de 1990 – quando
triplicou a venda de castanha-do-brasil (ou castanha-da-amazônia) para União Europeia,
Estados Unidos e Ásia –, como o maior exportador mundial do produto. Essa
expansão se deu graças aos castanhais localizados na Amazônia brasileira.
Desde então, sempre que a safra de castanha tem início,
surgem relatos apontando a existência de um suposto contrabando da amêndoa para
os bolivianos.
Chega-se a conjecturar, inclusive, que o
contrabando, e não a comercialização legalizada da produção, é o que infla as
estatísticas de exportação daquele país.
Os rumores dão conta de cargas de castanha que atravessariam
as fronteiras do Acre (pela BR-317) e de Rondônia (pela BR-409), em direção a
Riberalta, onde os nossos vizinhos lograram organizar um cluster de exportação de
castanha semibeneficiada (seca) – coisa que o Brasil nunca conseguiu fazer.
Especula-se que apenas no ano de 2003 uma
quantidade aproximada de 16 mil toneladas de castanha in natura (com casca) deixou o território nacional, sem autorização
fiscal e fitossanitária – o que teria causado um prejuízo de US$ 20 milhões ao
Brasil.
Mas será que esse vultoso contrabando existe mesmo?
Provavelmente, não.
Acontece que os produtores brasileiros não convivem
de bom grado com o sucesso do cluster boliviano – e se aprazem em alimentar os
boatos.
De outra parte, é muito remota – para não dizer
impossível – a possibilidade de carretas carregadas trafegarem por quase mil
quilômetros de rodovias federais, sem conhecimento ou autorização da Polícia Rodoviária
e das autoridades fiscais.
Deixando de lado a distração (pois essa história de
contrabando não passa disso), o que de fato merece atenção é a diminuição da
importância econômica da castanha, um produto de monopólio natural amazônico, em
consequência do desmatamento.
As áreas de ocorrência dos castanhais, sobretudo na
região de fronteira do Acre e Rondônia, coincidem com as terras mais afetadas pelo
desmatamento destinado à criação de gado (principalmente) e plantio de grãos.
A conclusão, inevitável, é que, todos os anos, um
expressivo número de castanheiras deixa de produzir, por uma razão simples: as
árvores ficam dispersas nos pastos e cultivos.
Não se ignora que a castanheira, juntamente com
mogno, seringueira e virola, integra o seleto grupo das árvores amazônicas que
gozam de especial proteção, conferida pela legislação em vigor.
Sem embargo, é o desmatamento da floresta que está
na origem do problema – como, de resto, na origem da maioria dos males
amazônicos.
A castanheira detém a salvaguarda legal, mas o
mesmo não ocorre em relação à floresta que a rodeia. Dessa forma, quando uma
determinada área é desmatada, toda a vegetação ali presente é destruída, com
exceção dos pés de castanheira – que ficam isolados em meio à pastagem.
Sem a mata ao redor, o inseto polinizador não chega
até a copa da árvore para a fertilização, comprometendo o desenvolvimento dos
ouriços e, por conseguinte, a produção das sementes.
Um contrabando impossível e, por suposto, insolúvel,
distrai os gestores públicos. Enquanto isso, a castanheira definha nos pastos –
e a Bolívia domina a exportação de castanhas.
Professor
Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista
em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do
Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.