2010-19:
década perdida para a sustentabilidade na Amazônia (3ª parte)
* Ecio Rodrigues
Na
tentativa de examinar a segunda década do século XXI sob a perspectiva da
sustentabilidade da Amazônia, discute-se aqui o período entre 2016 e 2019.
Lamentavelmente,
como já se constatou nos dois artigos anteriores e se verá a seguir, não há
dúvida: no que diz respeito à sustentabilidade, essa década foi perdida para a Amazônia.
Em
2016, pelo segundo ano consecutivo, a economia brasileira sofreu retração
sensível, com o PIB descendo aos 3,3% negativos. Por outro lado, e de forma um
tanto incompreensível, o desmatamento na Amazônia cresceu 29%, tendo apresentado,
ademais, um agravante perigoso.
Ocorre
que localidades situadas fora do Arco do Desmatamento (que compreende a bordadura
oriental do bioma Amazônia) desmataram acima da média projetada nos índices
anualmente divulgados pelo Inpe.
Talvez
o exemplo mais singular dessa nova e preocupante dinâmica do desmatamento tenha
sido o Acre, onde houve um crescimento de 47% na destruição florestal em 2016.
O
caso do Acre é singular porque esse estado, terra natal de Chico Mendes, chegou
a ostentar uma marca de sustentabilidade ecológica – sendo que nas medições anuais
anteriores vinha mantendo, quase sempre, média de desmatamento inferior aos
demais estados amazônicos.
2016
marcou também o 10º aniversário de aprovação da Lei 11.284/2006, que introduziu a concessão
florestal, instrumento reconhecido pelos estudiosos como crucial para impulsionar
a vocação florestal da região. Mas não houve motivos para comemoração.
Passados 10 anos, menos de 500 mil hectares
de florestas – ou seja, menos de 1% do total de florestas públicas disponíveis
– se encontravam em regime de concessão, evidenciando o retumbante fracasso do
Serviço Florestal Brasileiro.
De
um lado, aumento do desmatamento e, de outro, estagnação das concessões
florestais. Um contexto lamentável, que não obstante foi ignorado, em meio à recessão
econômica e à crise política que dominavam o noticiário do país.
Contudo,
2017 trouxe resultados excelentes para a sustentabilidade da Amazônia.
Melhores, por sinal, que nos seis anos anteriores.
Além
de lograr reduzir o desmatamento, a política ambiental levada a cabo pelo
governo que assumiu em meados de 2016 também obteve outros avanços.
A
título de exemplo, cite-se a criação de novas unidades de conservação (o número
de UC marinhas mais que dobrou) e o significativo impulsionamento conferido à
regularização fundiária na Amazônia, mediante a titulação de 26.000
propriedades, número que corresponde à soma de todos os títulos expedidos nos
10 anos anteriores.
Apesar
de criticada – de maneira tendenciosa, diga-se – por setores do movimento
ambientalista, a regularização fundiária das propriedades rurais confere segurança
jurídica ao planejamento da ocupação produtiva e, por conseguinte, às
atividades baseadas na exploração da biodiversidade.
Outro
passo largo no sentido da sustentabilidade foi aprovação da Lei 13.493/2017, que instituiu o Produto
Interno Verde, PIV, um indicador macroeconômico (a ser calculado pelo IBGE)
inovador, já que quantifica a riqueza correspondente ao estoque e à dilapidação
dos recursos naturais e, dessa forma, favorece a promoção de uma mudança de
visão em relação ao desenvolvimento regional.
O
êxito obtido pela equipe econômica na contenção da recessão e retomada do
crescimento em 2017 preparou o terreno para o aumento do desmatamento no ano
seguinte.
Embora
pequena, a ampliação em 14% na destruição florestal na Amazônia em 2018
chamaria atenção para um ponto até então desconsiderado pelo Ministério do Meio
Ambiente: o desmatamento legalizado.
Por
meio da Portaria 373/2018, o MMA alterou o sistema de medição do desmatamento, possibilitando
a distinção do desmate autorizado mediante procedimento de licenciamento
ambiental daquele efetuado ao arrepio da legislação.
Trata-se
de uma diferenciação há muito esperada, fundamental para orientar a execução da
política ambiental na Amazônia.
Com
efeito, a fim de conter a destruição ilegal das florestas, cabe ao MMA estabelecer
diretrizes para o exercício do poder polícia; de outra banda, para zerar o
desmatamento legalizado, incumbe-lhe fomentar a exploração da biodiversidade
florestal.
Entre
as iniciativas implementadas em 2018, a promulgação da Lei 13.668/2018,
que alterou a Lei 9.985/2000
(Lei
do Snuc), merece destaque por diversas razões, em especial por criar o Fundo de
Compensação Ambiental e apontar uma saída para a reiterada falta de orçamento
do ICMBio.
Finalmente,
nada se compara ao último ano da década perdida.
Em
2019, um oceano de equívocos conceituais inundou o MMA, afastando o órgão de tudo
o que a ciência amazônica construiu até hoje.
Pressionado
pela ameaça de extinção vinda do governo recém-eleito, o MMA submergiu numa diretriz
de gerenciamento inaceitável, que, tendo por referência o dito “negacionismo”, desmente:
o Acordo de Paris, o aquecimento do planeta, a importância da ajuda
internacional – e, o pior, o flagelo do desmatamento e das queimadas na
Amazônia.
Por
consequência, as estatísticas de destruição das florestas bateram recordes – levando
o país a receber ultimatos das nações associadas à cooperação internacional e,
desse modo, correr risco de isolamento no cenário mundial.
Mas essa
discussão é para a década que se inicia em 2020.
*Professor
Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista
em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do
Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.