segunda-feira, 17 de maio de 2021

Sem participação social, Conama perde credibilidade

 * Ecio Rodrigues

A pouca ou nenhuma prioridade conferida pelo atual governo aos temas relacionados à Política Nacional de Meio Ambiente, PNMA, já era esperada, mas tamanha incompetência, não!

De cara, os mandatários que assumiram o Ministério do Meio Ambiente em 2019 desdenham o Acordo de Paris, sob a alegação estapafúrdia de que esse histórico pacto global, celebrado por mais de 95% dos países associados à ONU, não passaria de um complô mundial para deixar a economia brasileira estagnada.

Mas a incompetência dos gestores ambientais não ficou apenas em sua incapacidade para compreender o Acordo de Paris. Eles também não entenderam o Fundo Amazônia, moderno mecanismo de cooperação internacional, gerenciado com eficiência comprovada pelo BNDES.

Assim, fizeram pouco caso do fundo e da expressiva soma de recursos doados por países europeus, em especial Noruega e Alemanha, para apoiar as ações de combate ao desmatamento e às queimadas na Amazônia.

Faltava ainda levar a incompetência até o Sisnama, Sistema Nacional de Meio Ambiente, que é a estrutura instituída no país para dar suporte e cumprimento à PNMA.

Ocorre que a existência, no âmbito do Sisnama, de uma instância superior de deliberação com participação social, nos moldes de um colegiado como o Conama (Conselho Nacional de Meio Ambiente), incomodava sobremaneira os que não tinham bagagem teórica para compreendê-la.

A ampla representatividade da sociedade civil conferiu credibilidade ao Conama, fornecendo às deliberações desse organismo, além de rigor técnico, notável legitimidade em meio à gigantesca pressão política exercida por governos, empresas, entidades de classe, ativistas – enfim, por setores ou grupos que, como acontece nas democracias, saem em defesa dos seus respectivos interesses.

A verdade é que o Conama só se tornou o que é hoje, um verdadeiro símbolo, que goza de grande reconhecimento, por conta do seu consistente lastro social. Sem esse lastro, a atuação do colegiado jamais alcançaria a força e a singular relevância conquistadas ao longo do tempo.

Nunca é demais lembrar que foram as resoluções aprovadas pelo Conama nos últimos 20 anos que estruturaram todo o processo de licenciamento ambiental imposto a atividades produtivas e empreendimentos de infraestrutura com potencial elevado de impacto ambiental, o que se mostrou de fundamental importância para o desenvolvimento do país e, em última instância, para a sociedade brasileira.

Não obstante, depois de chegar a cogitar a extinção do Conama e recuar dessa intenção – já que o desgaste junto ao Congresso certamente seria imenso –, o governo resolveu atacar justamente a quantidade e a qualidade da representatividade presente no colegiado.

O propósito de suprimir o órgão deu lugar à disposição para reduzir drasticamente sua composição e, de uma canetada, por meio de decreto presidencial publicado em 2019, o plenário do Conama foi encolhido, passando de 96 conselheiros para apenas 23.

Foi priorizada – como não poderia ser diferente, diante de tão tacanha compreensão do Conama por parte do MMA – a participação de órgãos governamentais e de entidades de classe patronais rurais e empresariais.

Antes, organizações da sociedade civil eram representadas por conselheiros com perfil técnico, inclusive em nível de doutorado, que deram contribuições decisivas para o Conama, de maneira voluntária e colaborativa.

Portanto, a menos que o plenário do Conama seja identificado (como sugere a atitude do governo federal) como um campo de batalha, onde pugnam forças do bem e do mal – em que o bem, claro, corresponderia ao governo e aos que se aliam ao seu raso entendimento da política ambiental; e o mal, a todos os que ousam divergir – o MMA, como instituição, e a sociedade, de forma geral, só tinham a ganhar com a participação das ONGs.

 Antes, as organizações eram escolhidas por meio de eleição direta das representantes de cada uma das 5 regiões geográficas do país, para um mandato de 2 anos, seguindo-se as regras de procedimento eleitoral consolidado em mais de 30 anos de funcionamento. Os votos, integralmente digitais, eram liberados por meio de um eficaz sistema de senhas, cuja instalação custou caro aos cofres públicos.

Hoje, apenas 4 organizações ambientalistas integram o plenário do Conama, para um mandato de apenas um ano (o que é claramente insuficiente, diante da complexidade dos temas discutidos).

Como se não bastasse, para a seleção dessa irrisória representação da sociedade civil, substituiu-se um aprimorado, imparcial e democrático processo eleitoral por um tosco e primitivo sorteio anual, que ainda por cima é realizado entre um conjunto de entidades que o próprio MMA indica.

Da eleição para o sorteio na cumbuca, o plenário do Conama perdeu o lastro social das organizações de interesse público e, de resto, sua credibilidade. Um evidente retrocesso, que tem origem na incompetência do MMA.

 

*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

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