* Ecio Rodrigues
Sempre
que houver uma população tradicional na Amazônia e um recurso da biodiversidade
florestal sendo explorado, a criação de uma reserva extrativista será a melhor
saída.
Duas
razões reforçam a tese da adequação da reserva extrativista à condição de reguladora
do acesso das comunidades de produtores, ou de manejadores, a algum produto
oriundo da biodiversidade florestal na região.
A
primeira delas pode ser resumida como segurança jurídica fundiária.
Ocorre
que, na Amazônia, de forma geral, as comunidades extrativistas continuaram a habitar
os antigos seringais, onde permaneceram nas chamadas “colocações”, suas unidades
produtivas, das quais detinham tão somente a posse.
Inserida
no Snuc (Sistema Nacional de Unidades de Conservação), a reserva extrativista é
categoria de unidade de conservação pertencente ao grupo do uso sustentável e
sua criação depende da desapropriação da área de floresta habitada pelos
posseiros, nos casos em que a terra tem dono – ou seja, dispõe de matrícula
própria junto ao cartório imobiliário em nome do respectivo proprietário.
Uma
vez criada a reserva extrativista, a situação do posseiro é regularizada por
meio da celebração de contrato de concessão de direito real de uso com o ente instituidor
(União, estado ou município) – o que confere ao produtor e seus descendentes a
necessária segurança jurídica para viver e obter renda na colocação, desde que observadas
as exigências impostas, tais como não desmatar e não vender.
A
segunda razão que leva a reserva extrativista a ser considerada a melhor opção
para viabilizar a exploração da biodiversidade florestal pelas populações
tradicionais na Amazônia diz respeito à sustentabilidade dessa produção.
Como
se sabe, no final da década de 1980 a expansão da pecuária extensiva sobre a
floresta se deparou com um obstáculo: os seringueiros remanescentes dos ciclos econômicos
da borracha que teimavam em permanecer no interior do ecossistema florestal
extraindo um leque variado de produtos – muito embora o extrativismo, como
atividade produtiva, tivesse sido considerado oficialmente “extinto” pelo
Estado brasileiro.
Diante
da ameaça representada pelo desmatamento, o uso tradicional da biodiversidade
florestal, por meio do modo extrativista de produção, foi alçado à condição de
alternativa adequada para a ocupação produtiva da região.
Tal
premissa veio da constatação de que, ao exercer sua atividade durante mais de
cem anos para a extração em média e larga escala de diversos produtos da
biodiversidade, as populações tradicionais, incluindo seringueiros,
castanheiros, caucheiros, balateiros, carnaubeiras, quebradeiras de coco, entre
outras, garantiram a conservação da floresta.
Essa
constatação, comprovada pelas imagens de satélite que permitiram contrapor as
áreas correspondentes aos antigos seringais e colocações, cobertas por
florestas, ao desmatamento que ocorria ao redor, justificou a multiplicação das
reservas extrativistas na Amazônia e sua exportação para outros biomas,
inclusive o marinho.
Atualmente,
na região, um território maior que o do Acre é ocupado por reservas extrativistas,
em cujo perímetro o único meio de que dispõe o produtor para obter renda de
maneira legalizada, conforme previsto no Snuc, é o manejo da biodiversidade
florestal.
Contudo,
se por um lado a sustentabilidade dessa produção é inquestionável, por outro, pairam
dúvidas acerca do potencial da biodiversidade para gerar emprego e renda no mesmo
nível que o assegurado pela atividade que predomina na realidade amazônica e
que é a grande responsável pelo avanço do desmatamento – a criação extensiva de
gado.
Experiências
pioneiras e pontuais realizadas no Acre – para as quais não se deu ainda a
devida atenção – demonstraram que mediante o emprego de uma tecnologia de
manejo já existente e que faculta o uso múltiplo da biodiversidade florestal é
possível garantir níveis satisfatórios de renda líquida tanto no plano da produção
comunitária quanto em escala empresarial.
No
caso específico das populações tradicionais, o propósito de melhoria econômica associado
à imposição da produção florestal como único meio de renda assegura a
permanência do produtor na colocação (evitando o êxodo), ao tempo em que promove
a conservação da floresta (evitando o desmatamento).
Enfim,
ao manejar a biodiversidade florestal as populações tradicionais contribuem
para zerar o desmatamento na Amazônia.
*Professor
Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista
em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do
Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.
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