* Ecio Rodrigues
Seria
demais acreditar que jornalistas com pouca formação pudessem esclarecer para a
população o que levou o igarapé São Francisco, um dos três principais tributários
da margem esquerda do rio Acre e que atravessa toda a capital, Rio Branco, a
transbordar e deixar mais de 400 famílias dentro d’água.
Por outro
lado, é praticamente impossível conseguir uma nota técnica de um órgão oficial ou
a opinião de algum perito que explique de que maneira esse evento atípico deixou
alagados alguns bairros.
No final
das contas, toda a mídia local, sem exceção, mais uma vez, deu início à já
usual ladainha de início de ano, resumida na pergunta sem resposta: o rio Acre
vai alagar?
Na falta
de autoridade pública com estatura técnica confiável para informar e passar
alguma tranquilidade, a população, por seu turno, levanta hipóteses e acaba por
acreditar no que melhor lhe convier. Duas delas chamam a atenção.
A
primeira sugere que o rio Acre é o culpado. Com o aumento da vazão e, por
conseguinte, do nível das águas, o rio não teria suportado o volume de água que
recebe na foz do São Francisco.
Uma hipótese
que exige conhecimento detalhado de hidráulica, mas que, de imediato, pode ser
rechaçada, diante da série histórica de estatísticas que demonstram aumento da
cota do rio Acre até transbordamento sem refluxo em igual proporção, nem no igarapé
Batista nem no São Francisco.
Há
relatos de que alguns alagados conseguiram pescar tambaqui e outros peixes nas
águas que chegaram em suas casas. Esse fato fez surgir a segunda hipótese, de
que teria havido rompimento de barragens em açudes localizados na cabeceira do
São Francisco.
De fato,
como a nascente do igarapé se situa na região de influência da rodovia AC-090 (Transacreana),
o trajeto rural do São Francisco, antes de chegar à zona urbana de Rio Branco, passa
por uma região repleta de açudes.
Entretanto,
e ainda que não existam dados oficiais sobre a quantidade de açudes que
poderiam, uma vez desbarrancados, despejar água, barro e, claro, peixes, no São
Francisco, essa possibilidade também deve ser afastada – pois fere alguns
princípios da hidráulica, uma vez que o igarapé teria que passar por intenso assoreamento
e ter sua capacidade de carga hídrica reduzida de forma substancial, e tudo ao
mesmo tempo.
Ademais,
a ausência de marcas de lama depois da vazante, nos pontos de alagação, é um
claro indicativo de que não foi barro de açude.
Para
chegar a uma resposta, seria necessário um estudo aprofundado, a fim de
investigar se algo de novo surgiu na calha do São Francisco, a jusante das
áreas inundadas, reduzindo a seção transversal do igarapé e criando obstáculo
ao fluxo de água que deveria chegar até a foz, no rio Acre.
Quanto à ladainha
de início de ano (“Vai alagar?”) – que se completa com a do meio do ano (“Vai
secar?”) –, na verdade, essas perguntas não levam a lugar nenhum. Não apenas o São
Francisco, mas todos os tributários do rio Acre apresentam grave comprometimento
da mata ciliar.
Estudos
recentes demonstram que mais da metade da mata ciliar do rio Acre foi destruída
– mesmo que se considere tão somente a faixa mínima de 30 metros de largura
fixada pelo Código Florestal.
Seria
preciso reformular as perguntas para informar à população sobre o planejamento
do governo e da prefeitura, a fim de: (a) restaurar a vegetação original da
mata ciliar que foi desmatada; (b) realizar a limpeza dos leitos; (c) dragar as
calhas; e (d) remunerar o produtor pelo serviço de manejo da mata ciliar para
produção de água.
Essas
quatro ações ampliariam exponencialmente a resiliência na bacia hidrográfica. O melhor é que encontram amparo legal e contam
com fundos públicos para se converterem em rotina administrativa municipal.
Assim, no
ano que chover muito e no que chover pouco, os efeitos de um e outro evento
climático serão mais bem assimilados pelos igarapés e pelo rio.
*Professor
Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista
em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do
Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.
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