* Ecio Rodrigues
Publicado originalmente em
05/04/2015, esse artigo discute a recorrência de eventos extremos (seca e
alagação) no rio Acre. Se antes o intervalo temporal entre uma alagação e outra
levava a sociedade e o poder público a esquecer da anterior, nos últimos 15
anos esse intervalo vem diminuindo, e os eventos extemos ocorrem de maneira
cada vez mais próxima no tempo. Ou seja, não há razão para que os gestores
públicos estaduais e municipais não planejem ações para minimizar as
consequências. A saída está no aumento da resiliência dos rios, como se afirmou
naquela época.
Diante
das novas características do clima (embora muitos não acreditem, é fato que o
clima não é o mesmo), com consequências drásticas no regime de chuvas (é fato
que a distribuição das chuvas não é a mesma), e, por conseguinte, na vazão dos
rios (é fato que a vazão dos rios não é a mesma), parece razoável discutir as
novas atribuições que se impõem às administrações públicas.
As estatísticas
demonstram, com elevado grau de precisão, que, na Amazônia, o equilíbrio
hidrológico dos rios atingiu outro patamar, o que significa que poderá haver, a
cada ciclo completo de duas estações climáticas (verão e inverno para os
amazônidas), excesso de água nas cheias e carência na seca.
Ocorre
que (para usar o exemplo do rio Acre) desde o final da década passada – ou
seja, a partir de 2009, quando as cotas desse curso d’água estacionaram num
mínimo em torno dos 6 metros no período das cheias –, as alagações e secas
extremas têm sido recorrentes. Mais grave ainda, as alagações estão batendo
recordes, e as secas devem seguir esse caminho.
Essa
realidade precisa ser assumida pela sociedade e, acima de tudo, pela gestão pública.
Os técnicos que planejam as ações governamentais, na esfera estadual e
municipal, devem contemplar uma perspectiva crucial: os canais de escoamento
superficial das águas (rios, igarapés e outros) passaram, ao longo dos últimos
50 anos e com muito mais intensidade nos últimos 20, por um processo
ininterrupto de degradação.
Essa
degradação é evidente na beira dos rios, num tipo especial e importante de
formação florestal – a mata ciliar.
O
desmatamento da mata ciliar ocorre por várias razões, mas, sobretudo, para dar
lugar à criação de gado ou simplesmente para liberar o trajeto que o boi faz
até o rio, no intuito de beber os 36 litros de água que consome diariamente.
Sem a
barreira fornecida pela mata ciliar, todos os anos o rio recebe toneladas de
areia, terra preta e barro (para citar os principais sedimentos) – uma
quantidade que não tem vazão para transportar e que termina no fundo do leito,
reduzindo o calado e causando o que os técnicos chamam de assoreamento.
Formar
barreira para impedir o assoreamento e, desse modo, melhorar a quantidade e a
qualidade da água que flui no rio é uma das funções mais significativas da mata
ciliar, mas não a única. Há que se considerar sua importância para a fauna,
tanto da terra quanto do rio, bem como os efeitos paisagísticos que
proporciona.
Não à toa
as funções desse tipo especial de floresta estão previstas e amparadas numa
série de dispositivos legais, inclusive no Código Florestal de 2012.
Reforçam
a exposição dos rios à degradação a ampliação da densidade demográfica, a
demanda por água potável e, talvez o mais grave, as insistentes taxas de
desmatamento medidas ao longo da bacia hidrográfica.
Com baixa
resiliência, o rio perde a capacidade de assimilar e de reagir, de modo rápido,
às flutuações extremas de vazão. A perda de resiliência é, sem dúvida, o efeito
mais perverso para os rios submetidos a um processo longo e ininterrupto de
degradação.
A
ampliação da resiliência dos rios deve ser promovida de forma prioritária pela
política pública, e a boa notícia é que existe capacidade técnica para isso. A
restauração florestal da mata ciliar e o manejo dessa floresta para aumentar a
quantidade da água que flui no rio e diminuir o seu nível de turbidez são
procedimentos dominados pela engenharia florestal.
A
ampliação da resiliência dos rios pode evitar, no futuro, a drástica e
caríssima alternativa da canalização do canal com concreto armado. Mas tem que
ser já.
*Professor
Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista
em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do
Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.
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