segunda-feira, 8 de fevereiro de 2021

Extinguir ICMBio é retrocesso perigoso

 * Ecio Rodrigues

O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, conhecido pelo acrônimo ICMBio, foi criado em 2007 e, ainda que sua denominação não explicite, tem a missão institucional de gerir o Sistema Nacional de Unidades de Conservação, SNUC.

A criação de um órgão nos moldes do ICMBio era reinvindicação antiga. Desde a aprovação da Lei do SNUC (Lei 9.985/2000), havia demanda social por um órgão com a incumbência de gerenciar o sistema e se encarregar das unidades de conservação instituídas pelo governo federal, que hoje somam mais de 800, distribuídas no território nacional.

Essa demanda, por sinal, surgiu a partir da aprovação, em 1981, da Política Nacional de Meio Ambiente, que conferiu prioridade à criação de áreas legalmente protegidas do modelo de ocupação produtiva que acontece fora delas.

Implantadas por ato específico, que define seus limites, as unidades de conservação sujeitam-se a regras de proteção diferenciadas. Dessa forma, gozam de relativa imutabilidade, sendo muito difícil – e desgastante, do ponto de vista político – desconstituir uma UC ou mesmo alterar seu perímetro.

As atividades desenvolvidas pelo ICMBio se voltam, em sua quase totalidade, para garantir a proteção conferida pela legislação às UCs, impedindo desmatamento, queimadas, invasões e outras ameaças. Desse modo, os servidores do órgão concentram grande esforço técnico na elaboração de relatórios de vistoria, inclusive para atendimento de instituições de controle, como as procuradorias.

Além da fiscalização, dificultada pela complexidade geográfica e dispersão das UCs, o órgão tem ainda a atribuição – não cumprida, diga-se – de introduzir a unidade de conservação na dinâmica econômica local.

Fazer valer a função econômica do ativo ambiental presente em toda a extensão territorial que integra o SNUC tem sido, ao longo dos quase 14 anos de existência do ICMBio, o principal déficit do órgão perante a sociedade.

O ICMBio apresenta limitações de ordem técnica e administrativa que impedem uma atuação propositiva, no que se refere à introdução de alternativas econômicas sustentáveis para a produção de riqueza nas terras ocupadas pelas UCs – que correspondem, no caso da Amazônia, a mais de 10% das terras cobertas por florestas.

Por outro lado, há uma sinergia impressionante dos analistas ambientais da autarquia com as atividades de fiscalização – as quais, sem embargo, e como mostra a experiência, só trazem resultados de curto prazo, sendo inócuas no médio e no longo prazo.

No empenho para fiscalizar uma gigantesca extensão territorial, ao tempo em que deixa de lado o fomento a alternativas econômicas que transformariam as UCs em centros de negócios sustentáveis, está o – digamos assim – calcanhar de Aquiles do ICMBio.

Um ponto fraco visível e que originou a ideia, estapafúrdia por suposto, de que existe sobreposição de atividades entre o ICMBio e seu órgão de origem, Ibama, este reconhecido por atuar quase que exclusivamente na fiscalização.

Raciocínio tosco que foi reforçado com a introdução de algumas UCs no PPI (Programa de Parceria de Investimentos), a fim de que a iniciativa privada logre preencher a lacuna deixada pelo ICMBio, relacionada ao uso econômico dessas áreas.

Obviamente, a entrada de capital nas UCs e, mais importante, a possibilidade de gerenciamento por parte de empresas especializadas são medidas oportunas e necessárias, diante da flagrante inépcia estatal para produzir riqueza em qualquer setor da economia.

Da mesma forma, a expertise do Ibama, que conta com mais de 30 anos de experiência em fiscalização, não pode ser descartada.

Contudo, tais constatações jamais devem levar à conclusão de que não existe demanda para a existência de um órgão estatal nos moldes do ICMBio.

Pode-se discutir sua natureza jurídica, uma vez que o formato de autarquia traz entraves – mas não se pode esquecer a importância do órgão na gestão do SNUC.

Deixar a fiscalização por conta de peritos – no caso, os do Ibama – e se empenhar em transformar os ativos ambientais presentes nas UCs em riqueza, monitorando os contratos de PPI e levando a experiência para as áreas menos atrativas ao empresariado: esse deveria ser o foco da instituição que renascer da crise.

Extinguir o ICMBio está longe de ser a decisão mais sensata. Ao contrário, este é o momento para o órgão mudar de nome e de identidade, passando a se dedicar à transformação das UCs em laboratórios da nova economia de baixo carbono, ou da bioeconomia, como preferem os planejadores do próprio governo federal.

Por sinal, não parece contraditório pregar a saída pela bioeconomia na Amazônia e ao mesmo tempo extinguir o ICMBio? Pois é.

 

*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela UnB.

 

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