Lixões na Amazônia
* Ecio Rodrigues
Em
2020, a Lei 12.305/2010, que instituiu a
Política Nacional de Resíduos Sólidos, PNRS, completa uma década. Todavia, e ainda
que a promulgação dessa norma seja considerada um grande avanço, não há motivo
para comemoração.
Decorridos
10 anos, a PNRS não logrou resolver um dos maiores problemas relacionados à
coleta e destinação do lixo nas cidades brasileiras, a saber: os depósitos a
céu aberto, os famigerados “lixões”.
Incialmente,
a lei fixou o prazo de 2 anos para a instalação de aterros sanitários pelos
municípios. Não obstante, e diante de nossa cultural permissividade
institucional, esse prazo foi prorrogado para julho de 2021 – no caso das cidades
com menos de 50 mil habitantes
Ocorre
que cerca de 90% dos 5.570 municípios brasileiros estão nessa condição.
O
contexto do Acre é emblemático para entender a realidade dos lixões na Amazônia.
Todas as 22 cidades desse estado, incluindo a capital Rio Branco (que apesar de
já dispor de aterro sanitário, não desativou adequadamente os lixões), convivem
com esses depósitos a céu aberto e, o pior, mais de 70% deles estão localizados
nas proximidades de rios e igarapés.
Quando
chega o inverno amazônico, com as chuvas e as cheias, lá se vai o lixo rio
abaixo. As cidades a jusante não podem fazer nada para conter os resíduos que inevitavelmente
vão receber – e que cedo ou tarde chegarão ao magnífico e único rio Amazonas.
Não é
preciso muito esforço para prever que nos próximos 10 anos, dos 22 municípios,
mais da metade provavelmente ainda estará na mesma situação. No final das
contas, a despeito de ser um dos pontos centrais da PNRS, o fim dos lixões
ainda está longe de acontecer.
A
única possibilidade de mudança nesse quadro está na aprovação do novo marco
legal do saneamento, que no momento se encontra sob análise do Senado, e que promoverá
modificações profundas no arcabouço institucional do setor.
A PNRS
trouxe também a expectativa de que lograríamos encontrar uma saída para gerar
renda com o lixo.
Evidentemente
que esta saída não está nas cooperativas de catadores. Isto é, o lixo não vai
virar renda por meio da degradante, embora romantizada, coleta efetuada por indivíduos
maltrapilhos em lixões.
Por
sinal, parece que a PNRS conseguiu superar a antiga pregação ideológica em
torno da reciclagem do lixo e dos catadores. Havia, à época da promulgação – e
na verdade ainda há –, recorrente confusão conceitual entre os termos reciclar
e reutilizar.
O
fato é que, sob o ponto de vista da sustentabilidade ecológica, fornecer novos
usos a artigos produzidos em plástico, uma matéria-prima indesejável ao sistema
natural, não traz nenhum benefício ao planeta.
Pelo
contrário, a cada novo uso, uma quantidade maior desse material indesejável
será, obviamente, produzida e descartada no ecossistema.
Quando
um município inaugura uma árvore de Natal montada com garrafas PET (politereftalato
de etileno), como amiúde acontece, não está reciclando, mas dando um novo uso a
essa matéria-prima.
Significa
dizer que as garrafas usadas nas árvores de Natal não voltam a ser garrafas. O que
termina por acontecer é a ampliação da demanda por PET. No fim, vai tudo parar
nos lixões, aumentando a poluição.
No Sudeste,
a transformação do lixo em energia elétrica parece ser o caminho mais promissor
para a geração de renda, principalmente em face das negociações conduzidas no
âmbito do Acordo de Paris.
Firmado
em 2015 na cidade que lhe empresta o nome, por 195 países associados à ONU, o
Acordo de Paris é considerado o maior pacto mundial pela sustentabilidade
ambiental do planeta.
Enquanto
isso, na Amazônia, mesmo passados 10 anos, a expectativa de que a PNRS concretizaria
o fim dos lixões ainda está longe de ser atendida.
*Professor
Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista
em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do
Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.
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