Inventada no Acre, reserva
extrativista completa 30 anos
* Ecio Rodrigues
Mesmo
no Acre, onde foram idealizadas, poucos devem entender o que são as reservas extrativistas
– e bem menos ainda compreendem a importância dessas áreas protegidas para a sustentabilidade
ecológica da Amazônia.
Sem
medo de errar, ou de exagerar, pode-se dizer que a concepção dessa categoria
especial de unidade de conservação, em 1990, no Acre, representa um marco
histórico no estudo da ocupação produtiva da região.
Na
verdade, para aqueles que prezam pela precisão, esclareça-se que em 1988,
também no Acre, um conjunto de projetos de assentamentos extrativistas (PAE)
foi criado no âmbito do Programa Nacional de Reforma Agrária. Esses projetos,
gerenciados pelo Incra, são tidos como precursores das reservas extrativistas.
Diante
do trágico assassinato de Chico Mendes, ocorrido em dezembro daquele ano, a
criação de PAEs ganharia força em toda a Amazônia.
Todavia,
sendo o Incra especialista em assentamento de colonos, não tinha tradição na novidade
representada pela regularização fundiária de posseiros extrativistas.
Diferentemente
dos colonos, que podem obter o domínio definitivo de suas terras, no caso dos
extrativistas a regularização possessória ocorre por meio de contrato de
concessão de direito real de uso, instrumento que até então era pouco empregado
no meio rural da região.
Para
um número expressivo de ambientalistas, brasileiros e de outros países, o Incra
não daria conta do recado.
Claro
que a pouca vontade do órgão para recepcionar essa modalidade pioneira de
ocupação produtiva de terras cobertas por florestas culminou por reforçar a
tese de que a solução seria levar a demanda dos extrativistas para a jurisdição
da Política Nacional de Meio Ambiente.
Havia
um contratempo institucional no caminho, já que o Sistema Nacional de Unidades
de Conservação ainda não existia – o marco legal para a segregação de áreas na
forma de unidades de conservação viria a ser introduzido apenas em 2000.
Sem
embargo, em 18 de julho de 1989 foi promulgada a Lei 7.804, que incluiu entre
os instrumentos da Política Nacional de Meio Ambiente (Lei 6.838/1981) “a criação de
espaços territoriais especialmente protegidos pelo Poder Público federal, estadual
e municipal, tais como áreas de proteção ambiental de relevante interesse
ecológico e reservas extrativistas” (art. 9º, IV).
A
regulamentação veio em janeiro do ano seguinte, via Decreto 98.897/1990, que definiu as
reservas extrativistas como “espaços territoriais destinados à exploração autossustentável
e conservação dos recursos naturais renováveis, por população extrativista”.
Menos
de dois meses depois, em março, o Decreto 99.144/1990 criou a Reserva
Extrativista Chico Mendes, no Acre, abrangendo 8 municípios e a estupenda área
de quase um milhão de hectares.
A
primeira reserva extrativista do país e do mundo se tornava realidade.
Contando
com a empolgação de parte considerável dos pesquisadores que atuavam na área
florestal da Amazônia e dos analistas ambientais do recém-criado Ibama, a
reserva extrativista se transformaria em diferencial importante da política
ambiental brasileira.
Dali
em diante, favorecidas pela recepção calorosa obtida no meio técnico-científico,
as áreas de floresta segregadas sob essa categoria de unidade de conservação se
multiplicariam.
As
reservas extrativistas foram levadas para todo o país, chegaram aos pescadores
e começaram a ser instituídas também em âmbito estadual.
Menos
no Acre. Curioso que reservas extrativistas estaduais foram criadas em
Rondônia, Amazonas, Pará e Amapá, mas as 5 reservas extrativistas que existem
no Acre, onde o modelo foi concebido, garantindo a conservação de aproximados
2,5 milhões de hectares de florestas, são iniciativa do governo federal.
Gerar
riqueza por meio da exploração sustentável da biodiversidade florestal da
Amazônia está, para usar um jargão da moda, no DNA da reserva extrativista.
Há
30 anos, houve um momento propício para consolidar a vocação florestal do Acre.
Lamentavelmente, faltou liderança política que entendesse.
*Professor
Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista
em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do
Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.
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