Governos devem cobrar externalidade ambiental da
pecuária na Amazônia
*
Ecio Rodrigues
A
despeito de não haver nenhuma vontade política nesse sentido, a cobrança das
externalidades decorrentes do desmatamento praticado pela pecuária deveria ser
prioridade para os governos estaduais.
Externalidades
são implicações incidentais resultantes da instalação e funcionamento de empreendimentos,
e que embora não dependam da vontade do empreendedor, trazem impactos positivos
e negativos à vida de terceiros.
Externalidades
negativas e permanentes, como as originadas do desmatamento realizado todos os
anos para instalação e ampliação de pasto na Amazônia, provocam desequilíbrios
perigosos ao sistema econômico – e por isso devem ser corrigidas no médio prazo.
Para
que a economia volte ao equilíbrio, os custos advindos dos prejuízos motivados
pela externalidade (ou seja, pela destruição da floresta) precisam ser
internalizados na planilha de custos dos projetos de financiamento da pecuária.
Por outro
lado, esses prejuízos devem ser ressarcidos à sociedade pelo criador de gado, mediante
a oneração da atividade.
Diversos
autores se dedicaram a encontrar mecanismos para quantificar e cobrar as
externalidades dos investidores. Os estudos realizados pelo economista Arthur Cecil Pigou na obra “The Economics of
Welfare”, publicada originalmente em 1920 pela editora Macmillan and Co., são considerados referência obrigatória.
Do
ponto de vista matemático, o ideal, segundo Pigou, é que o máximo de produto
privado líquido se aproxime do melhor produto social líquido – numa relação
econômica considerada perfeita, ou equilibrada.
A
lei de patentes, que remunera as descobertas científicas, é um bom exemplo de
instrumento para aproximar o produto social líquido do produto privado líquido.
Porém,
na maioria das transações econômicas, a obtenção do máximo de produto líquido
privado é priorizada em detrimento do retorno social, enfatiza Pigou.
Analisando
um conjunto variado de estudos – que abordam, entre outras situações, os transtornos
causados a antigos moradores de uma região pela construção de prédios; os
problemas trazidos pela instalação de indústrias em aglomerados urbanos; a
venda de intoxicantes (bebidas alcóolicas), onde o débito no produto social
líquido ocorre por meio do aumento dos gastos públicos com policiamento e
serviços de saúde –, Pigou enfatiza que, em geral, o produto social líquido
assume os prejuízos decorrentes da não redução do produto privado líquido.
Defendendo
a regulação (pelo Estado) das atividades que geram efeitos incidentais sobre
terceiros, o autor considera improvável que as partes envolvidas nas relações
contratuais estabelecidas por essas atividades (ou seja, empreendimentos e
consumidores) se interessem por uma modificação contratual, a fim de resguardar
os terceiros prejudicados.
Só o
Estado pode funcionar como mediador, e assim mitigar as consequências das ações
incidentais, ou externalidades.
No exemplo
das bebidas alcoólicas, o produto privado líquido é muito alto, em relação ao
produto social líquido. Por isso, quase todos os países taxam a fabricação/distribuição/venda
de cerveja, whisky, cachaça...
Citando
Alfred Marshal (que, por sinal, era seu tutor), Pigou propõe que da mesma forma
como ocorre com as bebidas alcóolicas, também deve ser imputado algum ônus à
construção de prédios em áreas com alta concentração de casas.
Nesse
caso, o empreendedor poderia ser obrigado pelo Estado a oferecer algum tipo de
compensação aos moradores antigos – como a construção de praças e áreas de
lazer.
Nesse
mesmo sentido, diversos autores defendem a incidência de um imposto sobre investimentos,
proporcional ao impacto causado pela externalidade, o que para Pigou pode ser interessante,
desde que a tributação ocorra em âmbito mundial, de modo que os países não
venham a perder competitividade.
Finalmente,
Pigou se concentra na discussão a respeito das externalidades que afetam áreas
urbanas, reforçando a ideia em torno do papel decisivo do poder estatal para
equilibrar, na economia, os efeitos deletérios da supremacia do produto privado
sobre o produto social.
Para
Pigou, “há necessidade de uma autoridade maior, no caso, o Estado, que possa
limitar a quantidade de prédios ou sua altura para evitar superlotação das
áreas”.
Na
visão do autor, não é possível supor o surgimento de uma cidade como resultado
da ação natural dos especuladores isolados, uma vez que nenhuma “mão invisível”
poderá resolver, por si própria, o problema das externalidades.
O desmatamento
é a principal externalidade determinada pelo agronegócio do gado, que acarreta graves
complicações à saúde e à qualidade de vida das populações que habitam a
Amazônia.
Em
algum momento, o lucro privado do pecuarista terá que cobrir o custo social derivado
do desmatamento. Simples assim.
*Professor
Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista
em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do
Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.
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