segunda-feira, 6 de abril de 2020



Ecologistas, economistas e a Amazônia
* Ecio Rodrigues
 A partir do seu surgimento, a ecologia começou a pôr em xeque alguns pressupostos que embasam as análises econômicas e sociológicas em torno da realidade rural amazônica.
Pelo lado da ciência econômica, os ecólogos contestam os prognósticos acerca da relação homem x natureza, que, sempre escudados no conceito “ceteris paribus”, não levam em conta os contextos históricos, sociais e culturais nos quais estão inseridas as populações tradicionais que habitam os ecossistemas da Amazônia.
Pelo lado da sociologia, questiona-se a prioridade conferida, nas análises, à relação pequeno produtor x grande produtor, uma vez que os sociólogos não atentam para a diferença ecológica fundamental entre o modo de produção extrativista, que aufere renda mediante a coleta de castanha e outros produtos florestais, e o modo de produção pecuarista, cujos ganhos são obtidos por meio da criação de gado.
Ou seja, na visão da ecologia, o problema reside no que se produz – e não no tamanho da propriedade.
Dessa forma, ao adotar a criação de gado como opção primordial de investimento (o que passou a ocorrer sobretudo a partir da última década do século passado), o pequeno produtor se igualou ao grande, tornando-se ele também um empecilho (e ainda mais complexo) para a sustentabilidade da Amazônia.
Resumindo, para os ecologistas, zerar o desmatamento efetuado para o cultivo do capim que vai alimentar o boi – seja na pequena, média ou na grande propriedade rural – é a saída para a sustentabilidade da Amazônia e, por conseguinte, para o futuro da região.
Voltando aos economistas. Em vista da insuperável inelasticidade de oferta que caracteriza a produção de borracha, castanha e demais produtos oriundos da biodiversidade florestal (com exceção da madeira, obviamente), as análises econômicas apontam a falência do modelo de ocupação produtiva baseado na exploração dessa biodiversidade – e defendem que a saída para a Amazônia é a domesticação pela agricultura e a substituição dos produtos florestais por sintéticos.
Contudo, diante da complexa realidade amazônica, não é possível, como acertam os ecologistas, concluir pela inviabilidade da exploração da biodiversidade florestal mediante mera análise da produtividade – o que justificaria o desmatamento para criar boi, desde que dezenas de outras variáveis não fossem equacionadas, ou fossem mantidas constantes, como prevê a condição “ceteris paribus” da ciência econômica.
Para reforçar o argumento em defesa da exploração sustentável da biodiversidade florestal, em detrimento do desmatamento para criação de boi, os ecologistas lançam mão do robusto arsenal científico que se ocupa das externalidades econômicas decorrentes do processo produtivo.
Acontece que, ao considerar a produtividade por hectare a principal variável para o investidor decidir o que fazer nas terras com florestas na Amazônia, os economistas simplificam a análise e deixam de lado as externalidades decorrentes tanto do desmatamento quanto da perda dos serviços prestados pelas florestas.
Afinal, existe um rol de variáveis que devem pesar na decisão de investimento dos governos e da iniciativa privada na Amazônia, e que são desconsideradas pelos economistas.
A avaliação de investimentos realizada pelos economistas deixa de prever, por exemplo, a decisiva interferência da cooperação internacional, que limita os investimentos destinados à ampliação do desmatamento ou que venham a comprometer os destinos da maior floresta tropical do mundo.
De outra banda, veja-se o caso dos recursos hídricos, que até bem pouco tempo eram tidos como externalidades ambientais, e agora passaram a compor as planilhas de custos dos empreendimentos a serem instalados na Amazônia.
Se antes as florestas eram motivo de preocupação, adicione-se, após o Acordo de Paris, a água e o ar, cuja escassez poderá pôr em risco a humanidade.
Floresta, água e ar estão conectados, não dependem da inelasticidade da borracha ou do tamanho da propriedade. Os ecologistas venceram.

*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

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