As queimadas e os
estúpidos
* Ecio Rodrigues
Embora
tenha herdado um país em franca recuperação, depois de atravessar uma gravíssima
crise econômica (a maior em 100 anos), o governo que assumiu em janeiro trabalha
pouco e se atrapalha na incompetência – a tal ponto que qualquer assunto pode ser
causa de tensão e instabilidade.
O da
vez são as queimadas. Por sinal, parece estar na esfera ambiental a parte mais
visível do sofrível e temerário desempenho da equipe governamental.
O
advento da estação seca na Amazônia, marcada pelo corriqueiro binômio
desmatamento/queimadas, desencadeou uma crise sem precedentes – que vai exigir um
tempo considerável para ser superada.
A
crise decorre, em primeira instância, de uma intrínseca dificuldade, por parte
dos gestores, para compreender a dinâmica social, econômica e ecológica que
cerca a prática da queimada na realidade amazônica.
Os
produtores que empregam o nocivo método o fazem a título de investimento, depois
que tomam a complexa decisão de ampliar sua produção. Em mais de 80% dos casos,
essa produção se refere à atividade pecuária.
Duas
constatações de suma importância resultam daí. Primeiro, que queimar é uma
decisão privada de investimento. O produtor não queima por maldade, ou porque
odeia os ambientalistas, muito menos sob a absurda intenção de sabotar um
governo.
Segundo,
que se queima para criar boi – e não para fins de subsistência, para aplacar a
fome, tampouco por conta de uma suposta “tradição produtiva” herdada dos índios,
como muitos querem fazer crer. Nada disso.
Há
certa controvérsia jurídica em relação ao direito do produtor ao “uso do fogo”
e à extensão desse direito para alcançar a prática da queimada.
De
acordo com o que prevê o Código Florestal, o
produtor pode fazer uso do fogo para finalizar a limpeza do roçado no ano em que é assentado no imóvel rural, de modo a garantir o início de sua produção. Nada a ver com a queimada anual, realizada para limpeza do pasto.
produtor pode fazer uso do fogo para finalizar a limpeza do roçado no ano em que é assentado no imóvel rural, de modo a garantir o início de sua produção. Nada a ver com a queimada anual, realizada para limpeza do pasto.
Durante
o chamado verão amazônico – que acontece no intervalo de junho a novembro –, a
redução das chuvas favorece o investimento em queimadas.
Nesse
período, a vida na região se torna um verdadeiro suplício: a fumaça cobre o céu
e abafa o clima, potencializando o calor. Do fechamento de aeroportos à
internação de pessoas (principalmente idosos e crianças), os transtornos vão se
somando – e obviamente os custos econômicos, ambientais e sociais deles advindos
são muitos superiores aos eventuais ganhos trazidos pelo aumento do plantel de
gado.
Floresta
em pé na Amazônia não pega fogo, todo produtor sabe disso. Exceções para os
incêndios de 1999 (Roraima) e 2005 (Acre), quando eventos climáticos extremos contribuíram
para levar o fogo das queimadas até as florestas.
Não
há dúvida científica quanto ao fato de que o aumento do desmatamento retira
umidade da área de floresta remanescente, promove a savanização e amplia o
risco de incêndios florestais – enfim, cria o ambiente propício à ocorrência de
uma tragédia de proporções inimagináveis.
Ações
para zerar ou reduzir as queimadas, por incrível que pareça, não fazem parte
das prioridades encampadas pelos governos estaduais e municipais na Amazônia.
Pelo visto, não fosse a pressão internacional, também não seria prioridade para
o governo federal. Ao contrário, a crença (que não guarda nenhum respaldo
estatístico) é a de que incentivar o produtor a investir na queimada traz
popularidade e voto aos políticos.
Por
outro lado, numa reação reconhecida mundo afora, a sociedade amazônica, por meio
de suas organizações não governamentais, ou ONGs, não mede esforços para
convencer o produtor a abandonar a primitiva prática, fornecendo capacitação no
emprego de técnicas agrícolas mais modernas.
Os recursos
financeiros para esse importante e solitário trabalho têm origem, quase que
exclusivamente, na cooperação internacional. Da mesma forma que vem dos países
preocupados com a destruição da floresta amazônica boa parte do dinheiro para
controlar o desmatamento e as queimadas.
É aí
que entra a estupidez: no momento em que o governo, que evidencia baixo nível
técnico e falta de rumo, fica inseguro diante da atuação das ONGs e da ajuda
internacional.
Ao
invés de oportunidade, os estúpidos enxergam ameaça.
*Professor
Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista
em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do
Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.
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