3.051 focos de queimada
no Acre: recorde de agosto para os últimos 16 anos
* Ecio Rodrigues
Pode
ser que não exista nenhuma conexão entre o discurso do atual governo do Acre em
favor da ampliação da criação de boi (que se insiste em chamar de agronegócio) e
o aumento perigoso das queimadas, mas pode ser que sim.
Diante
da dúvida, há um fato.
Em 2019,
houve maior número de queimadas no Acre nos meses de março, abril, maio e junho,
em relação a 2018 – até chegar ao recorde dos últimos 16 anos para o mês de agosto.
Três
argumentos costumam ser prontamente sacados pelos gestores para justificar as
queimadas: tradição cultural; subsistência familiar; e direito ao uso do fogo. Todavia,
nenhum se sustenta.
No
que concerne ao primeiro, defende-se que desde os primórdios da ocupação da Amazônia
a agricultura de coivara e a queima já eram usadas para formação de roçados de
macaxeira e milho.
Ora,
mesmo que existissem registros demonstrando que os indígenas faziam emprego das
queimadas nos padrões atuais – o que não é o caso –, heranças culturais podem e
devem ser modificadas quando se referem a práticas nocivas às sociedades
contemporâneas ou não toleradas por estas.
Quanto
ao argumento de que o produtor precisa queimar para comer, além de falso,
trata-se, efetivamente, de um paradoxo, pois a queimada causa, no médio prazo,
o comprometimento agronômico da terra, até o ponto em que o solo deixa de
produzir e – aí sim! – pode levar à fome.
Cabe
esclarecer, a propósito, que hoje, na realidade do Acre, não existe produtor
recém-assentado (a última leva de colonos trazidos pelo Incra remonta aos anos
2000), que necessite queimar para garantir a subsistência de sua família.
Restaria
por fim, o argumento do direito do produtor ao uso do fogo.
Muito
embora exista certo consenso quanto ao direito que detém o colono de queimar o mato
para cultivar roçado de subsistência, padece de razoabilidade o entendimento
segundo o qual esse direito legitimaria a prática anual das queimadas.
Ocorre
que na primeira hipótese o fogo é uma ferramenta para o colono iniciar seu
plantio e garantir, nos meses seguintes, o sustento de sua família. Nada a ver
com a segunda, pois a queimada é anual e realizada a título de investimento,
para ampliação ou consolidação da produção, quase sempre destinada à criação de
boi.
Mas,
independentemente de tudo isso e das gritarias que ressoam nas redes sociais,
os prejuízos econômicos sociais e ecológicos decorrentes das queimadas no Acre
não podem ser tolerados, mesmo que seja necessário: mudar a tradição;
distribuir cesta básica aos pequenos produtores; alterar a legislação.
Os gestores
responsáveis pelo Instituto de Meio Ambiente, Instituto de Mudanças Climáticas
e Secretaria de Meio Ambiente, órgãos diretamente envolvidos com o tema, devem
ser responsabilizados.
Aos
políticos em mandato, resta a rejeição do eleitor.
Os
jornalistas deveriam cobrar uma resposta clara a uma indagação simples: de que
maneira o agronegócio da criação de boi poderá ser ampliado sem o consequente
aumento dos desmatamentos e das queimadas?
Desde
2005 não se queimava tanto no Acre durante o mês de agosto.
E em
1º de setembro, o conceituado Inpe registrou a ocorrência de 327 queimadas em
território estadual. Apenas nesse dia. Era um domingo.
A
resposta à pergunta acima é igualmente simples, já que uma coisa está intrinsecamente
ligada à outra.
Conclusão:
não há futuro para o agronegócio do gado no Acre.
*Professor
Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista
em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do
Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de
Brasília.
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