* Ecio Rodrigues
No
sistema eleitoral brasileiro, como se sabe, vigora o formato do voto
majoritário para a escolha dos senadores, e do voto proporcional para deputados
e vereadores.
Diferentemente
do que ocorre no majoritário, no modelo proporcional nem sempre o candidato
mais votado é eleito, sendo necessário que seu partido alcance um número mínimo
de votos. Ademais, a proporção de cadeiras a serem ocupadas por um partido é
determinada pela proporção de votos obtidos na legenda. Assim, candidatos em
quem poucos votaram podem ser eleitos com votos que não receberam.
Dessa
forma, não raro acontecem distorções, vale dizer, situações em que um candidato
é campeão de votos mas não se elege, enquanto outros conquistam a vaga de deputado
ou de vereador sob votação insignificante.
A
insinuação de que o brasileiro negligencia o voto – traduzida na frase “o
eleitor não se lembra em quem votou”, amiúde repetida – tem origem, decerto, nesse
sistema anômalo que permite a eleição de parlamentares sem votos, como se isso
contribuísse para o fortalecimento da democracia.
Não
foram poucas as vezes em que os especialistas alertaram para a temeridade representada
pelas regras vigentes no país para a escolha de deputados e vereadores.
Em
2002, quando o candidato a deputado federal por São Paulo Enéas Carneiro recebeu
mais de 1,5 milhão de votos, ficou evidente a afronta ao processo democrático:
além do próprio Enéas, os votos destinados a ele elegeram mais 5 candidatos inexpressivos,
que não chegaram a obter, individualmente, sequer 1.000 votos.
A
anormalidade chegou a tal ponto, que no último pleito, dos 513 deputados
federais eleitos, apenas 27 o foram graças aos próprios votos – os demais se beneficiaram
da votação obtida pelos companheiros de legenda ou de coligação.
Ou
seja, nem 6% dos atuais integrantes da Câmara Federal foram efetivamente
escolhidos pelos eleitores. E o quadro poderia ser ainda pior se não tivesse
sido aplicada a regra introduzida pela Lei 13.165/2015, pela qual, para
eleger-se, o candidato precisa alcançar no mínimo 10% do quociente
eleitoral.
Como
esperar que o eleitor valorize o voto, se ele não se sente representado? Ou que
lembre em quem votou, se ninguém votou nos eleitos?
Outra
anomalia que perverte o federalismo brasileiro, contribuindo para a deterioração
da representatividade democrática, é o excesso de partidos. A reforma eleitoral
de 2017 deu um passo significativo, ao restringir as coligações e estabelecer cláusula
de desempenho, ou de barreira, para acesso aos fundos partidário e eleitoral.
Diante
de tal imposição, a tendência, segundo os analistas, é de paulatina redução no
número de partidos em atividade, que deve cair de mais de 30 para menos de 10.
Agora,
está em processo de votação proposta que amplia as exigências da cláusula de
desempenho dos partidos e, além disso, institui a eleição majoritária para
deputados e vereadores, mediante a formação de distritos eleitorais. Por esse
modelo, apelidado “Distritão”, são eleitos os candidatos mais votados, pela
ordem dos votos nominais obtidos por cada um.
Os
que defendem o voto proporcional e demonizam o Distritão se apoiam basicamente
em 3 argumentos.
Primeiro,
que a adoção do voto majoritário enfraqueceria os partidos – algo que não tem
cabimento, pois a precarização partidária já é uma realidade e resulta justamente
do sistema atual, que tolera a proliferação de siglas e a falta de
representatividade.
Segundo,
que o formato majoritário é próprio a procedimentos eleitorais rudimentares, incapazes
de fazer espelhar no Parlamento a diversidade presente na sociedade. Resta
saber de que maneira a eleição de deputados sem votos, decorrente de uma
representação proporcional que vigora há 50 anos e levou o sistema politico brasileiro
ao fundo do poço, retrata a diversidade social e aprimora a democracia.
Por
último, os críticos do Distritão, ecoando chavões panfletários do tipo “velhas
raposas continuarão cuidando dos galinheiros”, alegam que esse mecanismo dificulta
a renovação e beneficia a perpetuação dos políticos profissionais.
Um
raciocínio tão simplório quanto errado, sempre reiterado pela imprensa, que nega
o político profissional e prega a constante mudança no campo político. Pelo
visto, essa é a única esfera de ação onde é melhor ser amador. Parece insano,
não?
Por
outro lado, a tão combatida “perpetuação” dos políticos já acontece hoje, no
modelo proporcional – ou seja, não é característica do voto majoritário. Portanto,
a alegação de que o Distritão favorece a continuidade não faz sentido.
Tanto
é verdade, que em 2018 – por meio de eleição majoritária, claro! –, o índice de
renovação no Senado foi considerável, ficando em torno de 45%. Aliás, boa parte
dos novos senadores integra o movimento “Muda Senado”, que, entre outras
medidas duvidosas, defende a fixação de mandato para os ministros do STF.
Ora,
são os políticos profissionais que impedem o avanço dessas proposições
esdrúxulas, que ferem o bom-senso e fragilizam a democracia.
De
sorte que a profissionalização política se afigura condição essencial para o
aperfeiçoamento e evolução das sociedades republicanas, sendo marca distintiva
de regimes democráticos consolidados. Afinal, sem políticos profissionais não
existe democracia.
* Professor da Universidade Federal
do Acre (Ufac), Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre
em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e
Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (UnB).
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