segunda-feira, 9 de agosto de 2021

Política pública para a Amazônia não honra acordos com a ONU

 * Ecio Rodrigues

Na esfera ambiental, o Brasil é signatário de uma série de pactos capitaneados pela ONU, todos ratificados pelo Congresso. Entretanto, o governo não consegue transformar em política pública as responsabilidades assumidas perante o mundo e que, direta ou indiretamente, se voltam para o propósito de zerar o desmatamento na Amazônia.

Há quem discuta a legitimidade desses tratados – questionando inclusive o mais importante deles, o Acordo de Paris –, como fizeram os gestores que assumiram o Ministério do Meio Ambiente em 2019.

Pouco importa. A ONU vai exigir o cumprimento das obrigações ajustadas – sendo que, além de dispor de mecanismos de mercado para impor barreiras aos produtos do agronegócio pátrio, os países podem restringir investimentos em ativos brasileiros.

Há que se reconhecer, porém, que concretizar as metas estabelecidas nos acordos internacionais por meio de políticas adequadas à realidade ecossistêmica é empreitada complexa.

Ocorre que a atração de investidores para consumação da ocupação produtiva regional, no período posterior à Segunda Guerra e sob maior esforço público a partir da década de 1970, foi motivada pelo asfaltamento das rodovias e expansão da criação extensiva de gado.

Tida como impulsionadora do processo de ocupação, a pecuária obteve a subvenção de instrumentos de crédito e de fomento – que, ao longo dos últimos 50 anos, garantiram a hegemonia dessa atividade na região.

Sem embargo, a bem sucedida política de consolidação da pecuária mostrou ao mundo sua face perversa, diante do avanço observado, ano após ano, nos índices de desmatamento e, por conseguinte, das acentuadas perdas anualmente acarretadas à biodiversidade florestal.

A alteração desse quadro requer uma profunda readequação dos investimentos públicos e privados, mas reverter a prioridade conferida à pecuária pela política pública não é tarefa simples.

Um primeiro passo sem dúvida foi abandonar a visão romântica que prevaleceu entre os ambientalistas até meados da década de 1990, e passar a enfocar a biodiversidade florestal como ativo econômico estratégico.

De fato, para levar a cabo os compromissos firmados no âmbito da ONU, é necessário assentar a produção florestal em negócios duradouros, que, mediante a aplicação da tecnologia de uso múltiplo, promovam a exploração sustentável da biodiversidade.

Uma medida prioritária é a criação, pelo Basa, banco público indutor da economia local, de carteira de crédito direcionada especificamente ao apoio desse tipo de empreendimento, em especial os que se vinculam aos serviços ambientais prestados pela floresta na estocagem de carbono e melhoria da qualidade da água. 

As florestas do Acre, por exemplo, apresentam baixo volume (medido em metros cúbicos) de madeira por hectare, todavia, em contrapartida, são cruciais para assegurar a vazão nas cabeceiras dos principais tributários da calha direita do rio Amazonas.

Nunca é demais repetir. O uso múltiplo da biodiversidade florestal se justifica, em face de um princípio elementarr: quanto maior o número de espécies manejadas, menos intensa será a exploração de cada uma delas e menor a possibilidade de vir a ser rompida alguma relação ecológica importante.

Princípio esse que associa a viabilidade econômica à conservação da biodiversidade florestal.

O cumprimento dos termos pactuados com a ONU demanda uma política florestal para a Amazônia que ainda não foi concebida. O tempo urge!

 

*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

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