segunda-feira, 10 de agosto de 2020

Queimadas que fazem cinza o nosso céu

 


* Por Ecio Rodrigues

Associar cores a temas importantes é uma estratégia empregada com sucesso para chamar a atenção e mobilizar a opinião pública.

Quando é iluminado com lâmpadas coloridas, o belíssimo palácio do Congresso Nacional, em Brasília, se transforma em instrumento de sensibilização, alertando para temas como enfrentamento da homofobia (cores do arco-íris, último 28 de junho); prevenção do câncer de cabeça e pescoço (verde, em julho); ou, ainda, importância da amamentação (cor dourada, agora, em agosto).

Essa estratégia bem que poderia ser empregada no Acre – quem sabe ajudaria a reverter os fracassos das ações governamentais para zerar as queimadas.

Quando chega agosto, a população já espera pela fumaça maléfica que traz tantos transtornos e permanece durante todo o mês, adentrando setembro. As queimadas atingem o pico no feriado regional do dia 05 de setembro – oficialmente “Dia da Amazônia”, mas considerado, pelo produtor, o dia da queimada.

Iluminar o Palácio Rio Branco na cor cinza – já que as queimadas deixam cinza o céu do Acre – seria uma sinalização de que o governo não vai mais tolerar a fumaça.

Por sinal, a despeito dos prejuízos econômicos e sociais causados nos últimos 30 anos, nunca houve imposição de tolerância zero em relação às queimadas. Os gestores públicos preferem se fazer de sonsos, como se a solução não fosse simplesmente abolir o licenciamento desse método primitivo.

O que se vê é sempre a defesa do procedimento como um “mal necessário” e, nesse sentido, dois subterfúgios são empregados – com certo êxito, diga-se – para convencer a população.

O primeiro deles é a descontextualização da queimada.

No intuito de desviar do problema real, vale dizer, as queimadas praticadas pelos criadores de gado para reforma/ampliação de pastos, os órgãos ambientais se voltam para as queimadas urbanas – como se houvesse o mínimo grau de equivalência entre uma e outra.

Ou seja, para não desafiar o peso político dos pecuaristas, fiscalizam-se fogueiras e realizam-se campanhas orientando a população urbana a não incinerar folhas e lixo nos quintais.

Comparar queimada rural com queimada urbana é o mesmo que comparar desmatamento de floresta com corte de árvores em jardins e logradouros. Ainda assim, escutamos no rádio e lemos nos outdoors mensagens comoventes, sempre nos conclamando a “fazer a nossa parte” e não queimar. Afinal, a culpa é sempre do povo, não é mesmo?

O segundo subterfúgio consiste em disseminar a equivocada ideia de que a queimada é prática cultural e, o pior, imprescindível para alimentar o produtor. Sempre se encontra um especialista de plantão para atestar esse absurdo.

De todos, certamente o argumento em torno da suposta tradição das queimadas e de sua importância para a subsistência do pequeno produtor é o mais intragável, diante da absoluta ausência de fundamento – e de bom senso.

Mesmo que essa alegação tivesse amparo em algum estudo sério acerca da tradição agrícola no Acre ou na Amazônia (e não tem), os malefícios e prejuízos causados pelas queimadas são suficientes a justificar o abandono da conduta, por mais ancestral que seja.

Por outro lado, nenhum produtor no Acre está sujeito a morrer de fome por ter sido assentado no meio do mato, entregue à própria sorte, de modo que sua única opção para escapar da inanição seja queimar.

A fumaceira só alivia em outubro e tudo é esquecido em novembro, com a fartura trazida pela estação das chuvas.

Até que chega agosto do ano seguinte.

 

 

*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

 

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