* Ecio Rodrigues
Em conjunto com pesquisadores da Universidade da
Califórnia, a Nasa, agência espacial americana, publicou, em maio último,
estudo que analisa a probabilidade estatística de ocorrência de incêndios
florestais na Amazônia.
Considerando uma série histórica extensa, incluindo
variáveis como quantidade de focos de calor; área anual desmatada; alteração do
uso do solo; e, especialmente, indicadores climáticos sobre temperatura,
pluviosidade e ventos, os cientistas calcularam a probabilidade de as florestas
amazônicas se incendiarem.
Por probabilidade estatística, entenda-se risco. O Acre
apresenta o nível mais perigoso entre os estados amazônicos brasileiros
analisados pela Nasa: 85% de risco de ocorrência de incêndio florestal durante os
meses de agosto e setembro, mantidas as condições analisadas.
Evidentemente, se São Pedro colaborar e fizer chover,
o risco de incêndio florestal diminui. Contudo, e essa informação é crucial,
nos 85% de risco estão previstas condições de seca extrema – isto é, a chance
de chover nesse período e o risco vir a ser reduzido é mínima.
Para ampliar a precisão do cálculo, os
pesquisadores confrontaram as estatísticas de 2020 aos índices medidos em 2005
e 2010, quando ocorreram incêndios que aniquilaram área expressiva de florestas
na região do alto rio Acre.
Mais de 200 mil hectares de florestas foram
destruídos na reserva extrativista Chico Mendes (localizada nos municípios de
Brasiléia e Xapuri) em 2005 – e essa tragédia disparou o alerta para a
possibilidade de ocorrência de incêndios florestais.
Explicando melhor. Como todo produtor sabe, em
condições normais, floresta em pé não pega fogo. A umidade presente no
substrato e na parte inferior da floresta tropical impede que o fogo, vindo das
queimadas dos pastos, avance mais que 3 metros floresta adentro.
Diferenciar queimada de incêndio florestal é fundamental
nesse quebra-cabeça de consequências trágicas. As queimadas funcionam como estopim
para os incêndios florestais, e enquanto a queimada é provocada pelo produtor e
passível de controle, incêndio florestal ninguém apaga.
Para enfatizar: a queimada é uma prática agrícola,
comumente usada pelos criadores de boi para renovar o pasto, aumentar a
produtividade e, por óbvio, os lucros.
Num pasto “velho” (5 anos, por exemplo), o criador consegue
manter um boi por hectare. Depois de realizada a queimada, o capim rebrota com
excesso de nutrientes, possibilitando que até uma cabeça e meia de boi seja
sustentada no mesmo hectare de pasto.
Entender que a queimada configura um investimento que
o produtor decide fazer para aumentar sua renda, e não para não morrer de fome,
é condição essencial para a aplicação de medidas de controle e, quem sabe um
dia, banir essa nefasta e desnecessária prática.
Resumindo, enquanto a queimada é uma decisão de
investimento tomada pelo criador de boi, incêndio florestal é a segunda tragédia
– a primeira é o desmatamento mesmo – que acompanha a atividade produtiva da
pecuária na Amazônia.
Mas incêndio florestal não acontece todos os anos,
é uma exceção que depende de um conjunto de variáveis, como as identificadas
pelos pesquisadores da Nasa.
O problema é que, com a intensificação das
queimadas e do desmatamento a partir da década de 1970, foram-se criando as
condições para a ocorrência de incêndios florestais. Ou seja, o risco de o fogo
escapar do pasto e se alastrar pela floresta também se intensificou.
Detalhar e quantificar com precisão esse risco foi
o que os cientistas da Nasa fizeram. Por sua vez, quem vive na Amazônia deve fazer
sua parte pela erradicação do gatilho representado pelas queimadas. Esse é o
único jeito de aplacar o perigo de incêndio. Não há plano B.
Da mesma forma, não dá para acordar todos os dias
sabendo que existe 85% de chance de uma catástrofe acontecer.
De outra banda, diante de um quadro em que a ameaça
tem 85% de probabilidade de se concretizar, perder tempo tentando vincular
incêndio florestal a invasão e roubo de terras na Amazônia é estupidez.
A regularização fundiária e a consolidação do
Cadastro Ambiental Rural fazem parte da solução, e não das causas dos 85% de
risco de destruição das florestas pelo fogo na Amazônia.
E que ninguém esqueça: se os governos não resolverem,
só restará rezar a São Pedro. Para que mande as chuvas e para que cheguem
rápido.
*Professor
Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista
em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do
Paraná, e doutor
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