Na área ambiental, gestores públicos não executam o
planejado
* Ecio Rodrigues
No
Brasil, a discrepância entre o planejamento e a execução das decisões políticas
é gigantesca – em especial quando, no primeiro caso, as evidências científicas
(estatísticas e série histórica de dados primários) são a base da planificação e,
no segundo, o populismo eleitoral dá o tom à execução.
Exemplos
não faltam. Pode-se citar o setor do saneamento, onde houve, nos últimos 20
anos, não apenas um grande esforço de planejamento, mas também de
institucionalização desse planejamento, mediante a aprovação de legislação nas
3 esferas de governo (federal, estadual e municipal).
A
despeito desse esforço, todavia, os estudos demonstram que os serviços de
fornecimento de água e coleta e tratamento de esgoto avançam muito lentamente, e
o país ainda está muito longe de alcançar a necessária universalização.
O
mais incrível é constatar que as leis simplesmente não são cumpridas – não
“pegam”, como se diz. Ao que parece, os gestores públicos, nomeados mais por
conveniência política e menos por mérito, não se dão conta de que a obediência
à legislação é um imperativo da democracia.
Por
outro lado, hoje está claro que a solução para a discrepância entre planejar e
executar, entre as deliberações técnicas e políticas, não está no incentivo à
participação popular – o que os acadêmicos denominam “planejamento
participativo”.
O
raciocínio por trás dessa metodologia, que chegou a ser bastante empregada nas
décadas de 1990 e 2000, é o de que o envolvimento da sociedade – isto é, dos
indivíduos diretamente afetados pela política pública planejada – adjudicaria legitimidade
ao processo e, desse modo, levaria à efetivação das ações programadas. Mas a
realidade mostrou que não é bem assim.
A
experiência comprova que o papel decisivo conferido à participação da população,
em qualquer tipo de planejamento, estava superestimado.
Quem
acompanhou o movimento pró-zoneamento na Amazônia sabe bem disso. Na década de
1990, os estados amazônicos, quase todos, gastaram muito dinheiro público (doado
pela cooperação internacional) para organizar a ocupação produtiva em seus
territórios, segundo o modelo de planejamento proposto pelo zoneamento ecológico-econômico
(ZEE).
A
área rural era dividida em “zonas”, e por meio da realização de estudos
técnicos chegava-se à vocação produtiva de cada uma delas. Num segundo momento,
essa vocação técnica era confrontada com a demanda da sociedade, mediante a
realização de audiências públicas com ampla participação popular. Sem embargo,
o ZEE – vale dizer, o planejamento resultante do ZEE – fracassou categoricamente
em todos os estados onde foi instituído. E entre as causas desse malogro, pelo
menos duas são manifestas.
Em
primeiro lugar, a população não estava, à época – como não está hoje e
provavelmente não estará no futuro –, preparada para deliberar sobre um assunto
essencialmente técnico como a vocação de uso do solo.
No
caso da Amazônia, parece evidente que o senso comum irá desconsiderar (como de
fato desconsiderou) as atividades baseadas na exploração da biodiversidade, restringindo
o horizonte de escolha às duas alternativas produtivas que prevalecem na região:
criação extensiva de gado e agricultura de queimada para produção de arroz,
feijão milho e macaxeira.
Desnecessário
mencionar que ambas são altamente indesejáveis sob o prisma da sustentabilidade,
já que dependem do desmatamento – e justamente por essa razão não têm futuro. Não
é de estranhar que, no final das contas, o resultado produzido pelo ZEE na Amazônia
tenha sido a ampliação da área destinada à criação de boi.
Em segundo
lugar, os gestores púbicos e o Estado brasileiro de forma geral não conseguem
seguir um planejamento voltado para o ano seguinte – quanto mais para um
período de 20 anos, como se propunha no ZEE.
Enfim,
depositar as expectativas na participação popular não parece ser o melhor
caminho para tirar um planejamento do papel. No momento da execução, o
cumprimento das ações depende de uma série de decisões que são prerrogativa do
gestor público e, nesse ponto, ainda há muito que avançar para que o planejado se
transforme em realidade.
A capacidade
técnica dos gestores públicos está na raiz do problema – que não será superado
enquanto cabos eleitorais forem nomeados no lugar de peritos.
*Professor
Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista
em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do
Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.
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