Titulação de terras
na Amazônia fracassa em 2019
* Ecio Rodrigues
Desde que assumiu, em janeiro último, o governo faz
vítimas em seus arroubos intervencionistas nos órgãos públicos federais, sempre
sob o pretexto de melhorar a eficiência da gestão.
Foi assim quando substituiu a diretoria do ICMBio
por militares – e também quando, sob a insana alegação de que o Inpa publicava
dados para agradar ONGs ambientalistas, trocou o respeitado cientista que
ocupava a presidência desse reconhecido instituto por um comandante da Aeronáutica.
Agora, a bola da vez foi o Incra. Tal como nos
casos anteriores, chamam a atenção as razões para justificar a intervenção –
todavia, dessa vez os militares (que já haviam sido colocados lá) são os
exonerados: o presidente, um coronel do Exército, e toda a diretoria, integrada
por oficiais de alta patente.
Criado em 1970, durante o auge do regime militar, ao
Incra foi atribuída a responsabilidade pela implementação da reforma agrária,
mediante a consumação de 3 medidas principais, nessa ordem: desapropriação da
terra destinada à reforma agrária; assentamento dos produtores; titulação da
gleba em nome do respectivo beneficiário.
Os últimos assentamentos ocorreram no final do
século XX. Hoje, as estatísticas demonstram que a regularização fundiária configura
a principal demanda dos pequenos e médios produtores rurais.
Não à toa, quando da elaboração, em 2008, do Plano Amazônia
Sustentável – uma iniciativa notável, que reconhecia o uso econômico da
biodiversidade florestal como referência para o processo de ocupação na região –,
a titulação das terras foi apontada como peça-chave para a promoção de um novo
modelo produtivo.
Dessa forma, foi criado, em 2009, o Programa Terra
Legal, com o propósito de acelerar a titulação, usando a estrutura ociosa do
Incra (que, aliás, por pouco não foi extinto nos anos 1990).
Havia, contudo, um emaranhado normativo que dificultava
a regularização da propriedade em favor do ocupante da terra, ou posseiro, tornando
o processo lento e, às vezes, interminável.
Na verdade, as exigências impostas tinham uma razão
de ser, já que se destinavam a impedir a titulação da terra em favor dos chamados
“grileiros”. Bastante presente no imaginário de acadêmicos e políticos de
esquerda, a tal “grilagem” de terras, a despeito da ausência de dados sobre sua
ocorrência, é tida como recorrente na realidade rural amazônica.
O fantasma da grilagem assombrou o Programa Terra
Legal, levando-o ao fracasso: até 2016, foram expedidos, em média, menos de 3.000
títulos por ano. Esse resultado sofrível foi alterado com a edição da Lei 13.465/2017,
que simplificou o procedimento, possibilitando que, em 2017 e 2018, a média de
expedição subisse para cerca de 30.000 títulos anuais.
Contudo, a eficiência demonstrada pela equipe que
comandou o Incra até dezembro passado não será repetida em 2019, já que até
agora o número de propriedades tituladas não chega a 2.000. A responsabilidade
por esse pífio desempenho, segundo informa o próprio governo, recai sobre a
diretoria do Incra.
Os militares que comandavam o órgão desde fevereiro
alegam, em sua defesa, para justificar o reduzido número de títulos expedidos, que,
ao extinguir o Programa Terra Legal, o governo retirou orçamento. Sem dinheiro,
não há como titular as terras.
O Ministério da Agricultura rebate, por seu turno, que
a regularização fundiária, em especial na Amazônia, se reveste de alta prioridade
e, portanto, conta com recursos orçamentários suficientes.
Diante do baixo nível técnico observado em diversas
áreas do governo federal, o Ministério da Agricultura é uma das poucas exceções
de eficiência gerencial. Entretanto, não se pode descartar a hipótese de que os
militares que ora deixam a diretoria do Incra também tenham sido atemorizados pelo
fantasma da grilagem.
Não há dúvida técnica quanto ao fato de que a
titulação das terras na Amazônia é condição essencial para trazer segurança
jurídica ao processo de ocupação produtiva da região – inclusive porque permite
que se cobre dos proprietários o cumprimento da legislação ambiental.
Enfim, o certo é que a regularização fundiária
precede a discussão acerca da saída para a economia da Amazônia – se por meio
da sustentável exploração da biodiversidade florestal ou do insustentável
desmatamento para criar boi. Mas o prazo para concluir a titulação das terras
terminou no século passado.
O desmatamento – tanto o ilegal quanto o legalizado
– só pode ser zerado se as terras tiverem dono. Simples assim.
*Professor
Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista
em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do
Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de
Brasília.
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