Despreparo do
governo potencializa desastre do piche no Nordeste
* Ecio Rodrigues
Desde o final de agosto, ou há 55 dias, algumas
praias paradisíacas do Nordeste brasileiro estão sendo invadidas por bolhas de
piche oriundas do mar aberto.
Jornalistas pautados por escândalos de corrupção
deram pouca ou nenhuma atenção ao desastre que se avizinhava. Enquanto isso, começaram
a surgir fotos de pássaros, golfinhos e tartarugas marinhas mortos pelo resíduo
de petróleo, deixando os nordestinos estarrecidos.
Em tempos de redes sociais, as fotos ganharam o
país e sensibilizaram a população brasileira. Diante da morte sofrida dos
animais e da inoperância do governo federal, o piche no mar do Nordeste foi,
repentinamente, alçado à condição de maior tragédia ambiental nacional.
Sempre é bom lembrar que esse grotesco ranking, tão
apreciado por setores panfletários e desinformados da imprensa, começou com a
lama de Mariana e desconsidera, por suposto, o desmatamento da Amazônia.
Voltando ao piche.
Para os que preferem analisar a informação, ao
invés de se deixar levar por especulações ou teorias conspiratórias, o episódio
permite duas constatações importantes.
Primeiro, que se trata de um desastre ambiental de
grandes proporções e sem precedentes aqui no Brasil – considerando incidentes
envolvendo petróleo despejado no mar.
E muito embora não se tenha ideia, ainda, da
dimensão dos prejuízos econômicos e ecológicos, não há dúvida de que não
poderão ser arcados exclusivamente pelo povo nordestino.
É aí que entra a segunda constatação: o despreparo
do governo federal para assumir sua responsabilidade perante a crise ecológica.
Encarando os fatos com indiferença e fingindo que
era uma ocorrência localizada e da alçada dos governadores e prefeitos diretamente
afetados, o governo demorou um tempo inaceitável para reagir – e, a bem da
verdade, até agora ainda não tomou providências, no sentido de desvendar o
mistério, monitorar o trajeto do piche e estabelecer salvaguardas para minimizar
os estragos.
Submerso numa estratégia pouco inteligente de
desqualificação de instituições, como fez com o Inpe, órgão público que goza de
reconhecida reputação internacional em monitoramento por satélite e que poderia
seguir o percurso das manchas para encontrar sua fonte, o Ministério do Meio
Ambiente, até o momento, não ofereceu respostas para uma sociedade que não tem
como entender o que acontece.
De acordo com relatórios (excelentes, por sinal) publicados
pela Marinha brasileira, e conforme diagnósticos realizados pela Petrobras, por
universidades federais do Nordeste, e também pela Noaa, agência americana para
oceanos e atmosfera, as manchas de piche são pesadas e se movem abaixo da linha
d’água – o que impede que sua movimentação seja captada por satélite.
Mas sabe-se que são resíduos originários do óleo extraído
pela estatal petroleira da Venezuela, que podem ter ido parar no mar em razão de
vazamentos em operações de transferência de petróleo entre navios ou devido a
algum naufrágio.
A incapacidade do governo pode ser facilmente
observada nas duas pontas do problema: não consegue conter o piche e não
descobre de onde ele vem – ou seja, o ponto do qual o óleo continua a ser descartado
em mar aberto.
Restaria, ao menos, organizar um gabinete de crise
ambiental, como o que foi criado no caso das queimadas na Amazônia, com o propósito
de coordenar as ações para contenção do estrago e apuração da origem do derramamento
– as duas frentes emergenciais de atuação.
Falta ao governo assumir o controle da situação e
mostrar aos nordestinos, aos brasileiros e ao mundo que possui condições técnicas
e operacionais para encontrar soluções.
Todavia, liderança e competência, definitivamente,
não é a praia, com o perdão do trocadilho, do governo federal.
*Professor
Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista
em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do
Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.
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