terça-feira, 2 de julho de 2019



Intransigência do governo federal paralisa Conama
* Ecio Rodrigues
Pode ser que exista alguma estratégia política por trás da esdrúxula decisão do governo federal de alterar, por meio do Decreto 9.806/2019, a composição do Conselho Nacional de Meio Ambiente, Conama – mas, ao que se vê, é só intransigência mesmo.
A justificativa, empregada à larga pelo governo, de melhorar a execução da Política Nacional de Meio Ambiente, da qual o Conama é instância superior, carece de fundamento.
Tudo indica o propósito implícito de reduzir o crucial papel político e operacional desempenhado pelas organizações não governamentais, ou ONGs, na execução da política ambiental.  
Porém, cabe um alerta: a cruzada contra as ONGs não se limita ao Conama.
O Fundo Nacional de Meio Ambiente, FNMA, por exemplo, que já se encontrava no fosso das instituições que não funcionam e não foram extintas, teve o seu conselho deliberativo afetado por outro decreto – o de no 9.759/2019.  
Publicado em 11 de abril último, esse decreto tolhe a participação da sociedade civil na concepção e execução de toda e qualquer política pública, não somente a ambiental.
A norma extingue, a partir de 28 de junho próximo, os conselhos, comitês, comissões, grupos e outros tipos de colegiados ligados à administração pública federal que tenham sido criados por decreto ou ato normativo inferior – tendo alcançado, inclusive, aqueles estabelecidos em lei, nos casos em que a correspondente legislação não detalha as competências e a composição do colegiado.
Por sua vez, e como era mesmo de se esperar numa democracia amadurecida como a brasileira, o STF concedeu liminar retirando da abrangência do decreto presidencial os colegiados cuja existência conste em lei.
É nesse imbróglio que o destino do Conama se aproxima do limbo legal e administrativo em que se encontra o FNMA.
Acontece que o artigo 6o da Lei 6.938/1981 instituiu o Conama, o que lhe confere referência legal de criação, estando seu funcionamento, portanto, amparado pela liminar do STF.
O cerceamento à atuação das ONGs parece estar no cerne das investidas contra a participação política da sociedade civil – o que representa grave retrocesso social, diante dos avanços políticos alcançados desde a década de 1990, e demonstra espantoso despreparo por parte do governo federal.
Não à toa, nos espaços de deliberação política internacional, sobretudo aqueles voltados para a discussão dos temas relacionados às mudanças climáticas no âmbito da ONU, os políticos e governos são instados a reconhecer o decisivo papel das ONGs.
Pelo visto, a birra de integrantes do governo federal (incluindo, por óbvio, o ministro de meio ambiente) com o trabalho das ONGs parte da premissa equivocada de que essas entidades adotam as mesmas propostas de políticas públicas encampadas por partidos ditos de esquerda.
Para os birrentos, desprovidos de estatura para o cargo que ocupam, se houve necessidade de “despetização” do governo federal, algo surreal, haveria, em igual medida, demanda por “desesquerdizar” as ONGs.
No final das contas, enquanto o Conama fica paralisado, a estação das queimadas e dos desmatamentos na Amazônia, sob novos padrões e motivações, começou há mais de um mês, com força que sugere acentuada ampliação.
Do Acre a Roraima os governadores em primeiro ano de mandato estimulam investimentos. Esquecem, como sempre, que, na Amazônia, investir é desmatar. 


*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

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