Intransigência do
governo federal paralisa Conama
* Ecio Rodrigues
Pode
ser que exista alguma estratégia política por trás da esdrúxula decisão do
governo federal de alterar, por meio do Decreto 9.806/2019, a composição do
Conselho Nacional de Meio Ambiente, Conama – mas, ao que se vê, é só intransigência
mesmo.
A
justificativa, empregada à larga pelo governo, de melhorar a execução da Política
Nacional de Meio Ambiente, da qual o Conama é instância superior, carece de fundamento.
Tudo
indica o propósito implícito de reduzir o crucial papel político e operacional desempenhado
pelas organizações não governamentais, ou ONGs, na execução da política
ambiental.
Porém,
cabe um alerta: a cruzada contra as ONGs não se limita ao Conama.
O
Fundo Nacional de Meio Ambiente, FNMA, por exemplo, que já se encontrava no fosso
das instituições que não funcionam e não foram extintas, teve o seu conselho deliberativo
afetado por outro decreto – o de no 9.759/2019.
Publicado
em 11 de abril último, esse decreto tolhe a participação da sociedade civil na concepção
e execução de toda e qualquer política pública, não somente a ambiental.
A
norma extingue, a partir de 28 de junho próximo, os conselhos, comitês,
comissões, grupos e outros tipos de colegiados ligados à administração pública
federal que tenham sido criados por decreto ou ato normativo inferior – tendo
alcançado, inclusive, aqueles estabelecidos em lei, nos casos em que a
correspondente legislação não detalha as competências e a composição do colegiado.
Por
sua vez, e como era mesmo de se esperar numa democracia amadurecida como a
brasileira, o STF concedeu liminar retirando da abrangência do decreto
presidencial os colegiados cuja existência conste em lei.
É
nesse imbróglio que o destino do Conama se aproxima do limbo legal e
administrativo em que se encontra o FNMA.
Acontece
que o artigo 6o da Lei 6.938/1981 instituiu o Conama, o que lhe
confere referência legal de criação, estando seu funcionamento, portanto, amparado
pela liminar do STF.
O cerceamento
à atuação das ONGs parece estar no cerne das investidas contra a participação política
da sociedade civil – o que representa grave retrocesso social, diante dos
avanços políticos alcançados desde a década de 1990, e demonstra espantoso despreparo
por parte do governo federal.
Não
à toa, nos espaços de deliberação política internacional, sobretudo aqueles
voltados para a discussão dos temas relacionados às mudanças climáticas no
âmbito da ONU, os políticos e governos são instados a reconhecer o decisivo
papel das ONGs.
Pelo
visto, a birra de integrantes do governo federal (incluindo, por óbvio, o
ministro de meio ambiente) com o trabalho das ONGs parte da premissa equivocada
de que essas entidades adotam as mesmas propostas de políticas públicas
encampadas por partidos ditos de esquerda.
Para
os birrentos, desprovidos de estatura para o cargo que ocupam, se houve
necessidade de “despetização” do governo federal, algo surreal, haveria, em igual
medida, demanda por “desesquerdizar” as ONGs.
No final
das contas, enquanto o Conama fica paralisado, a estação das queimadas e dos
desmatamentos na Amazônia, sob novos padrões e motivações, começou há mais de
um mês, com força que sugere acentuada ampliação.
Do
Acre a Roraima os governadores em primeiro ano de mandato estimulam
investimentos. Esquecem, como sempre, que, na Amazônia, investir é
desmatar.
*Professor
Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista
em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do
Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de
Brasília.
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