O Oscar nos tempos do
politicamente correto
* Ecio Rodrigues
Pelo
jeito, o tom politicamente correto dominou as premiações na cerimônia do Oscar
em 2019, realizada domingo último, 24 de fevereiro, na capital mundial do cinema,
a festejada Los Angeles.
Ao
conferir a “Infiltrado na Klan” o Oscar de roteiro adaptado, pareceu evidente a
vontade da academia de compensar Spike Lee, diretor e roteirista, que, como se
vê da película, quis fazer uma brincadeira com os filmes ingênuos da década de
1970 protagonizados e realizados por atores e diretores negros.
Spike Lee não precisa de apresentação,
é um ícone do cinema americano. Mas “Infiltrado na Klan”, embora muito
elogiado, tem roteiro sofrível, a ponto de ser mesmo difícil de assistir; não
chega perto de outros concorrentes, como “A balada de Buster Scruggs”, dos irmãos
Joel e Ethan Coen.
Adaptação
cinematográfica do livro de contos homônimo, “A balada...” é uma pequena obra-prima,
compondo, em seis histórias autônomas, um retrato profundo e pungente do Velho
Oeste americano, e cujo roteiro, bem ao estilo Coen, combina situações tocantes,
humor negro e diálogos primorosos.
O prêmio de melhor atriz coadjuvante ficou com
Regina King, por sua participação em “Se a rua Beale falasse”. Ainda que se
trate de uma atriz reconhecida, e ainda que seu trabalho tenha sido marcante, chama
a atenção o fato de Rachel Weisz, indicada por seu desempenho em “A favorita”,
ter sido preterida.
Encarnando
uma duquesa inglesa do século XVIII que é amante da rainha, ao tempo em que faz
as vezes de chefe de governo e trava uma disputa pessoal com uma carreirista
disposta a tudo, inclusive a dormir com a monarca, a atriz representou o papel
de sua vida. Entregou uma atuação magistral, algo de extrema originalidade,
raras vezes presenciado no cinema.
Por fim,
o vistoso “Pantera Negra” chegou aonde nenhum filme da Marvel jamais sonhou. Além
de ter recebido uma indicação totalmente descabida para melhor filme (perdão, mas
até como filme de ação o longa é ruim), “Pantera Negra” levou 3 estatuetas, inclusive
por figurino e direção de arte.
Tudo
bem, o filme é esteticamente bonito, vibrante, abusa das referências africanas
e dos tons contrastantes de vermelho. Contudo, tratando-se da adaptação de uma
história em quadrinhos – que por sua vez aborda uma civilização fictícia e
futurista –, reproduz um universo já graficamente retratado, não exibindo nada de
extraordinário que justificasse ganhar o Oscar naquelas duas categorias.
Ademais,
deve haver, decerto, uma distinção entre figurino e fantasia.
O
figurino de um filme identifica o período histórico e o ambiente nos quais a
trama se desenvolve. Serve como referência para contextualizar a realidade social
e econômica descortinada pela obra cinematográfica. O figurinista deve ser original,
porém preciso, ao refletir uma época e um lugar por meio da indumentária.
A fantasia,
por outro lado, e como bem o sabem os carnavalescos, só presta contas à imaginação:
é um traje alegórico, um paramento que, no caso dos personagens de “Pantera
Negra”, os caracteriza mitologicamente como deslumbrantes habitantes de Wakanda,
o país afrofuturista do universo Marvel.
Sim,
alguns filmes não receberam o crédito que mereciam, mas nada se compara à
indiferença dispensada ao excepcional “A Favorita”. A produção de Yorgos
Lantinos foi, sem dúvida, a maior injustiçada.
Assumindo
muitos riscos e contando com todos os ingredientes para vencer o prêmio de
melhor filme, “A Favorita” é original, vanguardista, sarcástico, surpreendente
e bizarramente belo – além de ter sido quase todo rodado em luz natural, de velas
e de lareiras.
Ainda
por cima, traz o ponto de vista feminino, apresentando um reino dominado por
mulheres poderosas (ou “empoderadas”, para usar um termo em voga, apesar de muito
feio), onde os homens exercem função secundária e são estúpidos de doer.
Ao
que parece, todavia, as mulheres ainda não integram as minorias favorecidas
nesses tempos politicamente corretos do Oscar.
*Professor
Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista
em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do
Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.
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