segunda-feira, 11 de março de 2019



O Carnaval nos tempos do politicamente correto
* Ecio Rodrigues
Seguindo a tendência observada no Oscar, o Desfile das Escolas de Samba do Rio de Janeiro de 2019 deverá ser lembrado, em especial, pela retórica do politicamente correto.
Das 14 agremiações que passaram pela Marquês de Sapucaí, pelo menos 7 delas, de maneira direta ou indireta, adotaram o tom politicamente correto em seus enredos, e – o mais importante – foram reconhecidas e premiadas por isso.
Por sua vez, a Império Serrano, que homenageou o cantor Gonzaguinha, e a Imperatriz Leopoldinense, que narrou a saga do dinheiro, foram rebaixadas para o chamado Grupo de Acesso.
É certo que nenhuma das duas se destacou ou levantou as arquibancadas; sem embargo, se tivessem emprestado aos seus respectivos temas um matiz mais ideológico, possivelmente teriam escapado do rebaixamento.
De modo inverso, aquelas que optaram por defender as minorias e os oprimidos, denunciar injustiças, celebrar a diversidade – enfim, exteriorizar posições políticas tidas como progressistas – não precisaram se mostrar memoráveis para alcançar uma pontuação acima da média.
Caso emblemático talvez seja o da São Clemente, que, em um desfile mediano, ensaiou uma crítica com relação à elitização do Carnaval no Rio de Janeiro, insinuando que a construção do sambódromo – medida de extrema importância para organizar e estruturar o evento, conferindo segurança, transparência e licitude à realização do espetáculo carnavalesco – teria afastado o povo da festa.
Algo discutível, para dizer o mínimo, mas que saiu tão bem na foto que possibilitou que a escola se mantivesse no Grupo Especial, mesmo que na 12ª colocação.
Outra que não pode reclamar da premiação, a Unidos da Tijuca apresentou a história do trigo e do pão para discutir a desigualdade social e defender o direito dos mais pobres por comida – um tema tão apelativo quanto conveniente a estes tempos, e que lhe assegurou um superestimado sétimo lugar.
Quiçá esteja numa inevitável parcialidade o traço mais inquietante dos excessos cometidos em nome do politicamente correto. Ocorre que esse critério, ainda que de forma subjacente, induz o julgamento e acaba jogando para o segundo plano a análise concernente aos aspectos artísticos, criativos, estilísticos etc.
A Beija-Flor, por exemplo, realizou um excelente desfile, ao enfocar sua própria trajetória. Resgatando seus carnavais mais marcantes, a escola homenageou enredos passados, como o inesquecível "Ratos e Urubus, larguem a minha fantasia", de 1989, e revisitou alas que fizeram sucesso ao longo dos anos.
Conquanto tenha sido, provavelmente, um dos enredos mais originais do Carnaval de 2019, foi tratado com indiferença – tanto que a agremiação de Nilópolis, que ficou em 1º lugar em 2018, terminou na 11ª colocação, uma das piores de sua história.
De outra banda, a Mangueira não teve nenhum pudor ao levar à avenida uma extravagante dose de populismo e – por que não dizer – também de certo oportunismo. 
Rezando na exaltada cartilha da denúncia social, a Estação Primeira decantou heróis escravos, expôs massacres indígenas, homenageou mulheres vitimizadas e customizou a bandeira brasileira, que foi brandida em verde e rosa e ostentando, no lugar do lema positivista “Ordem e Progresso”, um bordão, digamos, mais engajado – “Índios, Negros e Pobres”.
Resultado: obteve nota 10 em todos os quesitos e se sagrou campeã.

*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

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