O Carnaval nos tempos
do politicamente correto
* Ecio Rodrigues
Seguindo
a tendência observada no Oscar, o Desfile das Escolas de Samba do Rio de
Janeiro de 2019 deverá ser lembrado, em especial, pela retórica do politicamente
correto.
Das 14
agremiações que passaram pela Marquês de Sapucaí, pelo menos 7 delas, de
maneira direta ou indireta, adotaram o tom politicamente correto em seus
enredos, e – o mais importante – foram reconhecidas e premiadas por isso.
Por sua
vez, a Império Serrano, que homenageou o cantor Gonzaguinha, e a Imperatriz
Leopoldinense, que narrou a saga do dinheiro, foram rebaixadas para o chamado Grupo
de Acesso.
É
certo que nenhuma das duas se destacou ou levantou as arquibancadas; sem
embargo, se tivessem emprestado aos seus respectivos temas um matiz mais
ideológico, possivelmente teriam escapado do rebaixamento.
De
modo inverso, aquelas que optaram por defender as minorias e os oprimidos, denunciar
injustiças, celebrar a diversidade – enfim, exteriorizar posições políticas tidas
como progressistas – não precisaram se mostrar memoráveis para alcançar uma pontuação
acima da média.
Caso
emblemático talvez seja o da São Clemente, que, em um desfile mediano, ensaiou
uma crítica com relação à elitização do Carnaval no Rio de Janeiro, insinuando
que a construção do sambódromo – medida de extrema importância para organizar e
estruturar o evento, conferindo segurança, transparência e licitude à
realização do espetáculo carnavalesco – teria afastado o povo da festa.
Algo
discutível, para dizer o mínimo, mas que saiu tão bem na foto que possibilitou
que a escola se mantivesse no Grupo Especial, mesmo que na 12ª colocação.
Outra
que não pode reclamar da premiação, a Unidos da Tijuca apresentou a história do
trigo e do pão para discutir a desigualdade social e defender o direito dos
mais pobres por comida – um tema tão apelativo quanto conveniente a estes
tempos, e que lhe assegurou um superestimado sétimo lugar.
Quiçá
esteja numa inevitável parcialidade o traço mais inquietante dos excessos
cometidos em nome do politicamente correto. Ocorre que esse critério, ainda que
de forma subjacente, induz o julgamento e acaba jogando para o segundo plano a
análise concernente aos aspectos artísticos, criativos, estilísticos etc.
A Beija-Flor,
por exemplo, realizou um excelente desfile, ao enfocar sua própria trajetória.
Resgatando seus carnavais mais marcantes, a escola homenageou enredos passados,
como o inesquecível "Ratos e Urubus, larguem a minha fantasia", de 1989,
e revisitou alas que fizeram sucesso ao longo dos anos.
Conquanto
tenha sido, provavelmente, um dos enredos mais originais do Carnaval de 2019,
foi tratado com indiferença – tanto que a agremiação de Nilópolis, que ficou em
1º lugar em 2018, terminou na 11ª colocação, uma das piores de sua história.
De
outra banda, a Mangueira não teve nenhum pudor ao levar à avenida uma extravagante
dose de populismo e – por que não dizer – também de certo oportunismo.
Rezando
na exaltada cartilha da denúncia social, a Estação Primeira decantou heróis
escravos, expôs massacres indígenas, homenageou mulheres vitimizadas e customizou
a bandeira brasileira, que foi brandida em verde e rosa e ostentando, no lugar
do lema positivista “Ordem e Progresso”, um bordão, digamos, mais engajado – “Índios,
Negros e Pobres”.
Resultado:
obteve nota 10 em todos os quesitos e se sagrou campeã.
*Professor
Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista
em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do
Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.
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