domingo, 27 de junho de 2021

Biodiversidade florestal e microcrédito na Amazônia

* Ecio Rodrigues

Desde que o economista bengali Muhammad Yunus e seu Banco Grameen receberam o Nobel da Paz em 2006 que programas de microcrédito se proliferam pelo planeta.

Criador do conceito, Yunus logrou estruturar o maior programa de microcrédito do mundo, capaz de se retroalimentar com os juros pagos pelos tomadores do empréstimo. Por isso, a imprescindibilidade da cobrança de juros.

Por trás de toda grande ideia sempre há um insight, um pulo do gato, e com o microcrédito não foi diferente.

Hoje pode até parecer óbvio, mas até então ninguém se atentara para as necessidades dos pequenos tomadores de crédito – que embora não consigam apresentar as garantias exigidas pelo sistema bancário tradicional, são capazes de honrar seus compromissos de pagamento.

Ainda há quem suponha que o segredo para o sucesso do microcrédito está na oferta de módicas quantias de dinheiro. Um equívoco.

Ocorre que a maior barreira enfrentada pelo pequeno tomador de crédito é o acesso ao financiamento oficial. Além dos documentos de habilitação, as garantias exigidas costumam ser impraticáveis para esse público.

O microcrédito derrubou os entraves. Primeiro, por levar o banco até a casa do empreendedor, mediante a visita do agente de crédito. Depois, porque substituiu a exigência de documentos e papelada pela realização de estudo socioeconômico para captar a realidade da clientela; por fim, o mais importante, trocou as garantias de contrato pelas de relacionamento.

O contato do agente com a família do tomador e a percepção que esse agente tem da vida dele são a chave para a concessão do empréstimo. O resultado é uma inadimplência inferior a 5%.

No Brasil, o microcrédito ficou inicialmente circunscrito ao universo da cooperação – quando era por vezes confundido com economia solidária, sendo que se diferenciam pelo fato de que no primeiro são cobrados juros do tomador e no segundo, não –, e só nos últimos 10 anos os bancos acordaram para o nicho representado pelo empréstimo de pequenos valores.

A verdade é que amarras normativas e a permanente propensão ao populismo/assistencialismo, tão recorrentes no meio político nacional, emperraram a multiplicação dos programas de microcrédito em terras tupiniquins.

Em 2003 um sistema oficial de microcrédito foi instituído no âmbito do Ministério do Desenvolvimento Social – de maneira associada aos programas sociais, tais como erradicação do trabalho infantil, bolsa-família etc.

Os valores ofertados alcançavam até R$ 1.500,00 por empreendedor, todavia, o empréstimo oferecido pelo governo padecia da anomalia de não cobrar juros – ou seja, não era microcrédito strictu sensu.

Como era de se esperar, no curto prazo delineou-se o paradoxo: quanto mais transações eram realizadas, mais inviável o programa se tornava. Algo aparentemente inusitado, porém facilmente explicável, já que, sem os juros, não havia como dar continuidade às operações de crédito sem o permanente aporte de recursos públicos.

Logo depois, em 2005, foi criado o Programa Nacional do Microcrédito Produtivo Orientado, este executado pelo BNDES. Desta feita, sem a deficiência da supressão das taxas de juros e, portanto, com perspectiva de sustentabilidade no tempo.

Mas, e na Amazônia, afinal qual a relação entre microcrédito e biodiversidade?

Como o extrativista tem dificuldade de acesso aos bancos, e as atividades produtivas por ele realizadas são de pequena monta, o microcrédito se encaixa com perfeição à realidade do pequeno produtor florestal.

No Acre, uma experiência de microcrédito que tinha como beneficiários esses produtores foi levada a efeito com o sugestiva designação “CrediSelva”. Tratava-se, possivelmente, de um projeto único na Amazônia, pois, além de se destinar a apoiar empreendimentos vinculados à biodiversidade florestal, era operado por uma organização do terceiro setor.

Em 2005, o programa de microcrédito CrediSelva obteve o primeiro lugar brasileiro no Prêmio Internacional de Microfinanças, uma parceria entre o Grupo CitiBank e a ONU; no mesmo período, foi finalista do Prêmio de Tecnologia Social da Fundação Banco do Brasil e foi selecionado para o Prêmio Empreendedor Social Ashoka – McKinsey 2006.

Sem embargo, por razões que não cabe aqui discutir, o CrediSelva não foi adiante, e a oferta de microcrédito para a produção florestal não conseguiu se consolidar no Acre.

Mas o sucesso da iniciativa não deixa dúvidas, o microcrédito para o manejo comunitário da biodiversidade florestal deve ser apoiado pela política pública.

 

*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

 

 


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