terça-feira, 9 de março de 2021

Unidade de conservação é o almoxarifado da bioeconomia


* Ecio Rodrigues

A Lei 9.985/2000, que instituiu o Snuc (Sistema Nacional de Unidades de Conservação) está completando 20 anos – sem a devida comemoração, entretanto.

O Snuc representa um avanço sem precedentes, ao permitir, em especial a partir da regulamentação trazida pelo Decreto 4.340/2002, que as terras com atributos ecológicos passassem a gozar de proteção legal especial.

Significa dizer que sempre que uma determinada área apresente atrativos diferenciados e que importem ser protegidos do processo de ocupação vigente na respectiva região, essa área – de floresta, de mar, de montanha etc. – poderá ser declarada de especial interesse para os brasileiros.

A maior parte das unidades de conservação hoje existentes foi criada pelo governo federal. Excetuando-se o governo atual, todos os anteriores, a partir da introdução do Snuc, tiveram a atitude republicana de instituir UCs, na categoria que consideravam mais pertinente.

Assim, aos poucos e de maneira paulatina e ininterrupta – até a ascensão do governo atual, repita-se –, foram sendo adicionadas ao Snuc novas terras e superfícies marinhas que demandavam proteção especial pela legislação.

Graças a essas relevantes iniciativas, quase 15% do território florestal da Amazônia goza de proteção legal – e, dessa forma, dispõe da garantia fundiária imprimida pelo formato unidade de conservação, estando sob a tutela de um órgão federal, no caso o ICMBio, nos termos estabelecidos pelo SNUC.

Não à toa, o Brasil detém reconhecimento internacional por ser um dos países com maior extensão de terras protegidas como unidades de conservação, distribuídas em todos os cinco biomas: cerrado, mata atlântica, caatinga, pampa e, claro, Amazônia.

Há quem questione a importância das UCs, sob o argumento pífio de que se trata apenas de um instituto jurídico, sendo que, na prática, o atributo ecológico a ser protegido continuaria ameaçado – e não seria a mera edição de um decreto que alteraria essa realidade.

Um grande disparate.

Não há dúvida científica quanto à salvaguarda fornecida pelo decreto de criação de uma unidade de conservação, e há uma profusão de estatísticas que comprovam que a instituição da UC potencializa de forma indiscutível a proteção da terra e de suas características ecológicas.

Por sinal, o atual governo federal, incapaz de entender a importância das unidades de conservação, mas, por outro lado, numa demonstração de reconhecimento de seu significado para a proteção fundiária, nem cogita criar novas UCs.

Igualmente, parlamentares pouco informados não cansam de propor iniciativas no intento de desafetar ou reduzir o perímetro de UCs já criadas. Propostas que, para além do fato de serem desprovidas de fundamento, não prosperam, diante do peso moral de que dispõem as unidades de conservação e do grande desgaste político que causaria a desconstituição ou alteração dessas áreas.

Mas há uma novidade.

Entidades de grande porte vinculadas ao setor rural, como a Indústria Brasileira de Árvores e a Associação Brasileira do Agronegócio, estão organizando o Fórum Mundial de Bioeconomia, que vai acontecer no Pará, em outubro próximo.

Por bioeconomia, entenda-se a possibilidade de gerar emprego e renda por meio do aproveitamento econômico de atributos ecológicos existentes em ecossistemas, como os protegidos em unidades de conservação.

O governo federal, que execra UCs, mas tem declarado apoio à bioeconomia defendida pelo agronegócio, certamente se deparará com mais um paradoxo: como é possível, no âmbito da bioeconomia, tolerar a criação de boi na Amazônia e desprezar as unidades de conservação?    

De que maneira se pode ignorar o peso das unidades de conservação para o desenvolvimento econômico, quando ¼ da água potável que atende à demanda urbana (algo em torno de 4,03 bilhões de m³ de água por ano) é diretamente influenciada por unidades de conservação?

Ou quando 44% da geração de energia em hidroelétricas se assenta na área de influência direta de UCs?

Unidades de conservação e criação de boi na Amazônia não podem fazer parte do mesmo almoxarifado da bioeconomia. Tem que tirar o boi. 

 

*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

 

 

 

 

 

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