Ecio Rodrigues & Aurisa Paiva
De uns tempos para cá, técnicos que atuam junto ao governo federal têm repetido às tantas que a bioeconomia – vale dizer, a organização da economia regional com base em ativos biológicos – seria a saída econômica para a Amazônia.
A bioeconomia é a bola da vez. De quando em quando surge na agenda brasileira a demanda pelo que os pesquisadores costumam chamar de “projeto nacional”, para a região amazônica – ou, com maior precisão, “política nacional para a Amazônia”.
Quem não se lembra dos esforços realizados na década de 1990, para citar os mais recentes, no âmbito da Pnial (Política Nacional Integrada para a Amazônia Legal), e, logo depois, nos anos 2000, com o PAS (Plano Amazônia Sustentável)?
Ambas as iniciativas propugnaram a necessidade de conceber e pôr em prática “uma nova visão da região” – que, por óbvio, se contrapunha ao atual modelo de ocupação produtiva, baseado no desmatamento.
Resumindo, há mais de 30 anos os planejadores concluíram que todos os modelos de desenvolvimento consumados na Amazônia buscavam – e ainda buscam – a homogeneização da biodiversidade florestal, de acordo com diretrizes do pensamento cartesiano. Inseridas em tal condição estão, por exemplo, as atividades produtivas da agricultura e da pecuária.
Alternativas econômicas que têm como referência a exploração comercial da biodiversidade florestal não podem ser compreendidas no âmbito desse universo simplista, exigindo, destarte, um novo modo de enxergar a região, que necessariamente deve reconhecer a imensa diversidade biológica do ecossistema e suas peculiaridades.
A Pnial e o PAS já se posicionavam no sentido de que a complexidade observada no ecossistema florestal da Amazônia não poderia ser compreendida e absorvida segundo as diretrizes do pensamento cartesiano.
Igualmente, nenhuma possibilidade de exploração do potencial produtivo desse ecossistema poderia configurar processos de domesticação, substituição e homogeneização, sobretudo monocultivos, já que tais processos levam, inexoravelmente, à inviabilização da própria ocupação produtiva da região.
Portanto, não há outro caminho a seguir, senão o que conduz, primeiro, ao reconhecimento da complexidade ecossistêmica – que por sua vez deve ser compreendida e respeitada – e, depois, ao estabelecimento de estratégias de manejo capazes de potencializar essa complexidade, de forma que ela venha a ser manipulada nos limites da capacidade de suporte do próprio ecossistema florestal.
Na trajetória entre a visão atual e a nova visão sobre a Amazônia ocorre uma verdadeira inversão de princípios. De empecilho para a produtividade – como é considerada no universo cartesiano –, a biodiversidade florestal passa a ser encarada como oportunidade a ser desenvolvida e aproveitada.
Estudiosos que se dedicam a compreender a dinâmica econômica da Amazônia diagnosticam o fracasso da pecuária extensiva para gerar emprego e renda na região e demonstram que o estabelecimento de um novo modelo baseado na exploração da biodiversidade florestal é questão imperativa.
Autores da área de sociologia e antropologia que estudam o uso intensivo dos recursos florestais realizado ao longo de mais de 100 anos pelas populações tradicionais – de acordo com o modo extrativista de produção – não têm dúvida quanto à adequação desse modelo de ocupação produtiva para a sustentabilidade da Amazônia.
Pois bem. Diante de tudo isso, e considerando o atual modismo da bioeconomia, dois questionamentos surgem de pronto.
O primeiro: de que maneira a pecuária extensiva pode ser encaixada na bioeconomia, já que se trata de uma atividade que depende, em larga escala, do desmatamento para prover terras a serem cultivadas com capim?
O segundo: como a bioeconomia se introduz no arcabouço legal e normativo criado nos últimos 30 anos, que reconhece a exploração comercial da biodiversidade florestal como o caminho concreto para uma ocupação econômica sustentável da Amazônia?
Essas duas perguntas precisam ser respondidas. O problema é que o governo federal, ao que tudo indica, não sabe a resposta.
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