* Ecio Rodrigues
Ano após ano, especialmente na última década do
século passado, a partir do momento em que o rio Acre, que deveria ser
considerado um valioso patrimônio natural do estado, se transformou em pesadelo
para os gestores públicos, quando chega a época da seca começa a ladainha da
imprensa: “Vai secar?” “Vai apartar?”
A resposta a essas perguntas e também àquela feita em
janeiro (“Vai alagar?”) estimula uma série de conjecturas inúteis e especulações
ridículas.
O que está errado, todavia, é a pergunta.
Flutuações de vazão em rios amazônicos são
ocorrência naturais, e a distância entre a maior vazão e a menor será tanto mais
significativa quanto for a degradação florestal existente na respectiva bacia
hidrográfica.
Nunca é demais repetir, a destruição da floresta está
na raiz das principais mazelas da Amazônia e, por óbvio, do Acre.
Para dizer de forma técnica. A resiliência do rio
Acre é diretamente proporcional à quantidade de biomassa florestal existente na
mata ciliar e na área de influência da bacia hidrográfica.
Portanto, a pergunta a ser feita é a seguinte: que
extensão de área florestal foi restaurada nas margens do rio Acre em 2019?
A cada hectare de floresta restaurado na faixa de
mata ciliar, amplia-se a resiliência do rio e, por conseguinte, reduz-se o
risco e a intensidade de secas e alagações.
A conservação da mata ciliar, por sinal, foi objeto
de grande polêmica durante as discussões que culminaram na aprovação do Código Florestal
de 2012. Todavia, e lamentavelmente, longe de ter havido avanço, as mudanças
promovidas pela nova legislação representam retrocesso.
Para explicar melhor. Desde que a crise de
abastecimento d’água atingiu as cidades do Sudeste e passou a ameaçar o
restante do país, ficou mais que evidente a importância desse tipo especial de
floresta para a manutenção dos recursos hídricos.
Embora as pesquisas científicas indicassem a
necessidade de ampliar a largura mínima estipulada no Código de 1965 para a
faixa de mata ciliar, a atuação de uma dita bancada ruralista, que na verdade incluía
mais de 400 parlamentares, muitos sem vínculo com o meio rural, impediu que
esse passo fundamental fosse dado.
No final das contas, e pelo voto de ampla maioria,
o Código aprovado em 2012 acabou por reduzir a largura mínima obrigatória de 30
metros prevista na legislação anterior – que, por sua vez, já era insuficiente para
melhorar o equilíbrio hidrológico dos rios.
O raciocínio válido para o rio Acre também se
aplica a seus afluentes. A revitalização dos igarapés que atravessam as zonas urbanas
é amiúde negligenciada pelos políticos e, o pior, pelos gestores públicos por
eles nomeados.
Em geral, defende-se a cara e equivocada solução da
concretagem, que transforma o igarapé em canal de escoamento secundário para uma
rede de esgoto que, claro!, não costuma ter tratamento.
Falta capacidade técnica para entender que, à
medida que os igarapés são transformados em canal de esgoto, a bacia
hidrográfica vai perdendo drenagem e ficando assoreada – o que reduz a
resiliência do rio e amplia o risco de secas extremas.
Quando o rio seca ou alaga, o que vem ocorrendo na
bacia hidrográfica do rio Acre com certa reincidência, não adianta achar que a
culpa é de São Pedro, por decidir fazer chover mais ou menos em determinado ano.
O Código Florestal de 2012, além de limitar por
baixo a faixa legal de mata ciliar, abusou da imprudência ao permitir somar as
APPs (áreas de preservação permanente) no cômputo da área de reserva legal. Mas
isso é tema para outro artigo.
Enfim, a quantidade de florestas desmatadas nas
margens do rio Acre só aumenta todos os anos. Mas isso ninguém quer saber.
*Professor
Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, mestre em
Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná e doutor em
Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.
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