* Ecio Rodrigues
Desde
o início das medições pelo Inpe, em 1998 (com exceção de 2005, quando queimada
para renovar pasto se confundiu com incêndio florestal), jamais se viu um mês
de agosto no Acre com tanta fumaça.
Para
os incrédulos, os dados estão disponíveis em http://queimadas.dgi.inpe.br/queimadas/portal-static/estatisticas_estados/
Ainda
que alguns desavisados associem a ampliação do investimento realizado em
queimadas a uma suposta melhoria na dinâmica econômica e, pasme-se!, a um dito
“progresso”, essa conexão não existe, tal suposição não passa de insensatez. A
verdade é que se trata de um recorde assustador, e só há que se lamentar por
ele.
Indefensável
do ponto de vista social e ambiental, a prática agrícola das queimadas é de uma
estupidez econômica inadmissível – sobretudo numa região de importância
planetária como no caso da Amazônia.
Em
tempo de valorização da ciência – quando os pesquisadores acertaram, senão
todas, a grande maioria das previsões relacionadas à pandemia mundial de
covid-19 –, não custa insistir: existem inúmeras evidências científicas que
comprovam os prejuízos acarretados pelas queimadas na Amazônia.
Não
é preciso falar sobre o grande contingente de pessoas – estatisticamente
demonstrado – que lota os hospitais durante os meses cinzas no Acre (julho,
agosto e setembro), com doenças respiratórias causadas pela fumaça que vem das queimadas.
Sem
contar o ônus imposto à população urbana, forçada a conviver durante meses com
um sistema público de saúde sobrecarregado, sob o aspecto social há que se atentar
ainda para os malefícios suportados por expressivo número de trabalhadores do
campo, que durante o período das queimadas ficam expostos a condições de ar altamente
insalubres.
Pelo
lado ambiental, as pesquisas demonstram que as queimadas originam um rol de
externalidades que por sua vez põem em risco a sustentabilidade da região.
Entre
outras graves sequelas, pode-se citar perda de solos agrícolas; morte de micro-organismos
presentes no subsolo, cruciais para manter características como fertilidade; comprometimento
da vazão dos rios e igarapés.
Depois
de estabelecidos os consideráveis impactos sociais e ambientais das queimadas, não
foi difícil chegar aos custos econômicos. Muitas formulações foram concebidas
para provar, matematicamente, que os poucos benefícios auferidos pelo produtor
que queima não cobrem os prejuízos assumidos pela sociedade que recebe a
fumaça.
A
quantificação dos custos decorrentes de hospitais lotados, aeroportos fechados (ainda
que em períodos intercalados), dos gastos com equipamentos e profissionais de
saúde e, não menos importante, com todo o aparato necessário ao licenciamento
das queimadas, monitoramento, intimidação e punição dos produtores, demonstra a
insensatez econômica desse padrão primitivo de criação de boi que depende do
investimento no fogo.
Por
fim, cabe fazer um esclarecimento importante: o atual recorde de queimadas para
o mês de agosto, no Acre, tem origem na série histórica dos últimos 22 anos.
Durante
muito tempo, gestores públicos da área de meio ambiente, demonstrando capacidade
técnica questionável e aferrando-se a uma atitude defensiva vergonhosa, para
dizer o mínimo, insistiram na alegação de que a fumaça que todos os anos cobre
o Acre não procedia do território estadual, mas viria de queimadas realizadas
em Rondônia e Bolívia.
Esse
argumento frágil e desnecessário, baseado em alegações de baixo nível
intelectual – como a de que o Acre é o “lugar onde o vento faz a curva” –, por
mais incrível que pareça, perdurou mais da metade do lapso de 22 anos agora rematado
com o lamentável recorde.
Não
há saída, somente com técnicos capacitados, somente com a adoção de medidas ancoradas
na ciência, será possível evitar novos recordes nefastos.
*Professor
Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista
em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do
Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.
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