Após recorde de desmatamento, Acre vai alterar
ZEE para desmatar mais?
* Ecio Rodrigues
Pode
ser que alguém acredite que o destino da floresta no Acre é ser convertida em
pastos para criação de boi, mas uma coisa é certa: alterar o ZEE (zoneamento ecológico-econômico)
para estimular o desmatamento é de uma estupidez sem tamanho.
Explicando
melhor. Por meio do Decreto 4.673, publicado em 14 de novembro último, o
governo estadual nomeou uma comissão com a atribuição de revisar o ZEE.
Nada
foi mais significativo para transformar a realidade produtiva rural do Acre nos
últimos 50 anos do que o zoneamento ecológico-econômico. Instituído pela Lei
1.904/2007, o ZEE dividiu a superfície rural em zonas, de acordo com dois
critérios: (a) potencial produtivo apontado em estudos; (b) consulta junto aos
produtores diretamente envolvidos.
Nas
situações em que a informação científica se contrapôs aos interesses dos
produtores, o impacto econômico e social teve maior peso na decisão. Significa
dizer que prevaleceu a vontade dos produtores que ocupavam a terra e praticavam
a atividade predominante no meio rural local – a saber, o agronegócio da
criação extensiva de boi.
Dessa
forma, e ainda que o pecuarista tenha sido o ator social que mais opôs
resistência à realização do zoneamento, no final das contas foi o que mais se
beneficiou.
Nos
termos da legislação então (e ainda) vigente, o ZEE poderia permitir – como de
fato permitiu – a redução das áreas de reserva legal, de 80% para 50% da área total
das propriedades rurais, nas zonas destinadas à produção agropecuária.
Por
efeito do ZEE, portanto, um extenso território coberto por florestas foi
imediatamente e legalmente cedido à ampliação da pecuária.
Em outubro
de 2007, este articulista já alertava para o impacto que a aprovação do ZEE causaria
à sustentabilidade ecológica, ao liberar novas terras para a instalação da
pecuária.
Em
artigo intitulado “Sustentabilidade em risco no Acre”, chamou a atenção para o
erro que significava a aprovação de um zoneamento que, cedendo à pressão dos
pecuaristas, reduzia em 30% as áreas de reserva legal das propriedades – e
justamente nas margens das rodovias, as regiões mais valorizadas no âmbito rural.
Era evidente
que a disponibilização de mais terra para desmatamento e cultivo de pasto conferia
a segurança jurídica necessária ao aumento do rebanho estadual.
Ocorre
que, entre os 3 fatores de produção requeridos pela pecuária, o fator terra, no
caso do Acre, é o mais limitante.
Traduzindo
do economês, pode-se afirmar o seguinte: mesmo que exista sobra de capital (quase
sempre na forma de crédito público subsidiado) e mesmo que exista excesso de
trabalhadores dispostos a permanecer nos ramais, a oferta de terras legalizadas
para desmatamento é o fator mais determinante para o crescimento do rebanho bovino
no Acre.
Não
é demais afirmar que graças ao zoneamento o Acre chegou em 2018 com um efetivo
bovino de mais de 3 milhões de cabeças, um crescimento superior à média
nacional – em especial quando comparado ao plantel de 2,3 milhões de cabeças
apurado em 2005, apenas 2 anos antes da aprovação do ZEE.
Voltando
à pretendida revisão do ZEE. Não precisa exercitar muito o intelecto para
perceber que essa revisão tem o propósito de aumentar ainda mais a quantidade
de terras com florestas destinadas ao desmatamento legalizado.
Ora,
é óbvio que a ideia não é criar uma reserva extrativista ou qualquer outra unidade
de conservação, muito menos ampliar a área de reserva legal nas propriedades
particulares.
Enfim,
o desmatamento no Acre aumentou 55% em 2019. Revisar o ZEE para desmatar mais é
o mesmo que combater fogo com gasolina.
*Professor
Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista
em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do
Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.
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