Ainda sobre o desmatamento recorde na Amazônia em 2019
* Ecio Rodrigues
No
início do ano, os gestores do Ministério de Meio Ambiente nomeados pelo governo
que assumiu em janeiro acrescentaram duas contribuições ao rol de polêmicas inúteis
que pululam nestes tempos vácuos de lideranças políticas.
Primeiro,
ao afirmar que o aquecimento do planeta e a consequente alteração do clima, verdades
científicas incontestáveis, seriam produto da intenção conspiratória de alguns
países que têm por estratégia manter outros países no subdesenvolvimento(!) –
inclusive o Brasil, a sétima maior economia do mundo. Algo insano não?
Segundo,
ao defender que a taxa de desmatamento da Amazônia deveria ser estratificada,
de maneira a se fazer uma distinção entre os produtores que já extrapolaram o
limite legal de desmatamento em suas propriedades e os que ainda têm área a
desmatar.
Embora
esse raciocínio pareça até coerente, a coerência é só aparente mesmo: na
pratica, os gestores do MMA – instância superior do Sistema Nacional de Meio
Ambiente – estão a endossar que os produtores têm e devem exercer o direito de
desmatar 20% da área total de suas propriedades rurais.
Reforçando
uma conduta que deveriam coibir, a despeito de sua suposta legalidade, os
gestores ambientais sustentam que o desmatamento legalizado representa a maior
parcela da destruição florestal levada a efeito na Amazônia. Dentro da lógica
absurda e obtusa por eles perfilhada, se os produtores têm o direito de
desmatar e se a maior parte do desmatamento é legalizada, não haveria o que
fazer – portanto, não haveria razão para gritaria.
Acontece
que o MMA tem por missão institucional zerar o desmatamento na Amazônia – pouco
importando se ilegal ou legalizado.
No
primeiro caso, o êxito obtido com as medidas de contenção adotadas no período
posterior ao desmatamento recorde ocorrido tanto em 1995 quanto em 2004
demonstra que o elevado investimento em fiscalização fornece o retorno
esperado, já no curto prazo.
Apesar
do lapso de quase 10 anos entre um recorde e outro, em ambas as ocasiões o
esforço fiscalizatório logrou derrubar as taxas de desmatamento a níveis
considerados aceitáveis, logo no período seguinte de medição.
A
dinâmica apresentada pelo desmatamento nas conjunturas de 1995 e 2004 é similar
à dinâmica do desmatamento medido em 2019 – o que significa que reforçar a
fiscalização, mesmo que com a ajuda do Exército, como deseja o MMA, resolverá
boa parte do desmatamento ilegal.
E ainda
que a fiscalização não seja a solução para o desmatamento legalizado, nem por
isso os gestores ambientais estão autorizados a lavar as mãos. Ora, ao MMA não
é facultado condescender com a devastação da Amazônia – ao contrário, como órgão
máximo de execução da Política Nacional de Meio Ambiente, tem a atribuição
legal de propor e implementar alternativas produtivas à degradação florestal.
A diferenciação,
no somatório das áreas de floresta anualmente destruídas, entre o desmatamento
ilegal e o legalizado sem dúvida é importante, mas apenas em termos de
definição de estratégia de atuação – jamais para eximir a responsabilidade do
MMA.
De
outra banda, os gestores do MMA também estão errados em relação à participação
do desmatamento legalizado no cômputo total da área de floresta anualmente perdida.
Mesmo
não sendo possível comprovar com segurança, todos os indicativos levam a crer
que o desmatamento ilegal representa mais da metade dos 9.762 Km² de florestas
destruídas em 2019.
Existe
uma evidência, muito robusta, como dizem os pesquisadores, que reforça a noção
de que o desmatamento ilegal prevalece sobre o legal.
Mais
de 80% dos 256 municípios que integram o Arco do Desmatamento (localizado na bordadura
curva do bioma Amazônia, entre o Acre e o Maranhão) ultrapassaram o limite legal
de áreas desmatadas.
Sem
embargo, a verdade é que as autoridades ambientais do momento simplesmente
desconsideram o arcabouço de discussões e de produção científica construído no
país nos últimos 40 anos.
Sob
maior especificidade, qualidade e quantidade a partir de 1988, quando tiveram
início as medições por satélite das taxas de desmatamento, sempre executadas
com a precisão científica do Inpe, a análise da dinâmica da destruição florestal
já foi objeto de um sem-número de artigos científicos e teses de doutoramento.
O mundo
espera que o MMA reconheça o óbvio: todo e qualquer desmatamento na Amazônia
precisa, em breve, ter fim.
*Professor
Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista
em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do
Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.
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