terça-feira, 19 de abril de 2011

Sobre água, chuva, alagação e barrancos
* Ecio Rodrigues
Como uma ladainha sem fim, como devem ser as legítimas ladainhas, as autoridades públicas, sem exceção de partidos políticos ou de uma ou outra unidade da federação, se esforçam para se justificar diante da revolta da população com as alagações, sobretudo em áreas urbanas, que se espalham pelo país.
Apesar de conhecerem as causas, ou deveriam conhecer para ocupar os cargos para os quais são nomeados, os gestores públicos se perdem na busca de subterfúgios ou, como diriam os que apreciam a linguagem científica, de hipóteses que se confirmam apesar de não manterem relação de causa e efeito com o problema, no que se convencionou chamar de falácia de composição.
Parece complicado, mas é simples. Na década passada, quando chegava o verão e todos se assustavam com as, á época, já costumeiras alagação, os técnicos de plantão, que servem àqueles gestores públicos durante toda a carreira, se apressavam em afirmar coisas do tipo “também pudera, os índices pluviométricos mostram que choveu nessa década, mais que nas últimas cinco, oito ou dez décadas”.
Depois, os índices pluviométricos começaram a ser medidos com menor lacuna de tempo e os técnicos, aqueles que salvam os gestores públicos perdidos, afirmavam outras coisas do tipo “também pudera choveu nesse ano mais que nos últimos dez anos”, Mais adiante, eram taxativos: também pudera, choveu nesse mês mais que durante todo ano. Ou que foi o mês de janeiro mais chuvoso da história, e assim por diante.
Na última alagação os técnicos parecem ter chegado ao limite ao gritarem: pudera, choveu mais nas últimas duas horas que nas horas de sabe-se lá de onde e de quando.
A conclusão óbvia é que, apesar de cômodo, não adianta tentar responsabilizar São Pedro, que dizem cuidar da chuva, pela simples razão de que o problema não é chuva, mas água.
Ocorre que a água possui um ciclo hidrológico perfeitamente conhecido por qualquer vestibulando. É a mesma quantidade sempre, não diminui nem aumenta no planeta e muda de estado físico (sólido, líquido e gasoso) segundo as condições de clima. Por uma questão meramente física, a água que cai vai ser evaporada para voltar a cair. A permanência da água em determinado estado físico depende das condições do ambiente.
Se há como a água infiltrar na terra, percolar e chegar ao lençol freático ela permanecerá mais tempo em estado líquido reduzindo a evaporação. Se não há infiltração, como acontece nas cidades onde toda terra foi impermeabilizada pelo asfalto e concreto, mais água evapora e mais água vai cair de volta.
Alagações aumentaram e serão cada vez mais inevitáveis, enquanto quem pode resolver o problema continuar achando que o problema está na chuva, que é de São Pedro ou das mudanças climáticas.
Alagações que se associam aos desbarrancamentos e agravam as críticas condições da ocupação urbana. Duas tragédias que, apesar de ocorrerem em épocas de chuvas intensas, possuem causas distintas.
Enquanto há alagação, porque a água não tem para onde ir, há desbarrancamento porque as pessoas constroem onde não deviam, devido à total ausência de autoridade pública para organizar a ocupação das cidades. Se, na Amazônia a população constrói nas margens dos rios, que desbarrancam na época das cheias, nas outras regiões ocupam os morros, que também desbarrancam com as chuvas.
A solução pode ser simples: recompor a mata ciliar dos rios.
Mas de tão simples parece que as autoridades não acreditam nela, preferindo investir nas tragédias.
   
* Professor da Universidade Federal do Acre (Ufac), Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (UnB).

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