domingo, 24 de abril de 2022

Fiscalização é solução paliativa para desmatamento na Amazônia

 * Ecio Rodrigues

De uma análise ligeira constatam-se 3 pontos de inflexão na curva do desmatamento da Amazônia.

Os dois primeiros se referem aos níveis recordes de desmatamento alcançados em 1995 e 2004. O terceiro, por outro lado, marca o ano de 2012, o único (até hoje) em que a destruição florestal atingiu uma área inferior a 5.000 km2.

As estatísticas demonstram com clareza que a fiscalização ajuda, todavia – e a despeito de impingir altíssimos custos ao orçamento público, tanto na esfera federal quanto no âmbito dos 9 estados amazônicos  – está longe de ser a saída para zerar o desmatamento na região.

O caso do recorde de 1995 é exemplar para entender o efeito da fiscalização. Em decorrência da intensa ação fiscalizatória levada a cabo no período pós-recorde, a taxa de desmatamento sofreu queda abrupta em 1996; contudo, já a partir de 1998 se observa a retomada da tendência de alta. 

Ou seja, ainda que as ações de controle produzam efeito imediato, levando o desmatamento a cair, a tendência de queda não se mantém por muito tempo, por uma razão simples, a fiscalização intimida e pressiona o produtor, mas não lhe oferece alternativa de renda.

Sob poucas variações, esse cenário se repetiu depois do recorde de 2004 e permaneceu até 2012, quando o desmatamento atingiu o menor nível já aferido. A partir de 2013, teve início uma retomada lenta, porém persistente, da destruição florestal na Amazônia.

A conclusão, um tanto óbvia, é que só será possível estancar, reduzir e zerar o desmatamento (o ilegal e o legalizado) mediante a valorização econômica da biodiversidade florestal.

Explicando melhor. Compete à política pública promover e fomentar um modelo de ocupação produtiva que leve em conta, na planilha de custos dos empreendimentos, as externalidades sociais e ambientais decorrentes da destruição florestal.

A teoria econômica disponibiliza mecanismos direcionados a minimizar os efeitos das externalidades geradas pelas atividades produtivas – em especial, no caso da Amazônia, a criação extensiva de boi.

Tais mecanismos podem ser classificados em dois grandes grupos: comando/controle e poluidor/pagador.

São inerentes ao comando/controle (até agora priorizado pela política pública, mas, como dito, sob resultados questionáveis) as ações relacionadas à fiscalização e ao exercício do poder de polícia, como autuação e cominação de multa.

Diferentemente, o princípio do poluidor/pagador se volta para impor ao empreendedor os custos associados aos impactos sociais e ambientais causados pelo seu empreendimento. Em resumo, os instrumentos baseados nesse princípio se destinam a taxar as atividades poluidoras e premiar as atividades limpas.  

O cardápio disponível para o gestor público é variado e extenso, e inclui desde a oferta de crédito mais barato às iniciativas que contribuem para a sustentabilidade até a taxação das atividades predatórias – o desmatamento legalizado, por exemplo.

No princípio do poluidor/pagador se insere o instrumento denominado Pagamento por Serviços Ambientais, ou PSA, que garante ao produtor uma remuneração pela oferta de serviços ambientais, em especial os relacionados à qualidade da água, do ar, e à conservação da biodiversidade florestal.

Nesse sistema, portanto, o produtor tem a opção de, ao invés de desmatar, ganhar dinheiro com o manejo da área de floresta presente em sua propriedade, a fim de retirar carbono da atmosfera e contribuir para a melhoria da qualidade do ar e, claro, para a sustentabilidade do planeta.

Se, eventualmente, a área de floresta conservada corresponder à mata ciliar, o manejo será orientado para melhorar a qualidade da água fornecida à população urbana localizada a jusante da propriedade.

Para o funcionamento do sistema PSA é necessário estabelecer um fluxo contínuo e permanente de recursos, de forma a possibilitar que o dinheiro desembolsado pelo comprador do crédito de carbono, depois de passar por uma instituição de validação da transação, venha a ser depositado na conta do produtor.

Esse fluxo, contudo, jamais chegou a ser viabilizado. É provável que a saída esteja na comercialização dos créditos nas bolsas de valores, como preconiza o modelo adotado pelos países que já ingressaram no mercado de carbono.

Um passo significativo foi dado durante a COP 26, realizada ano passado na Escócia, ocasião em que foi reforçada a importância do mercado de carbono em relação às metas assumidas no Acordo de Paris.

Não apenas o PSA, mas também outros instrumentos conexos ao princípio do poluidor/pagador podem ser introduzidos na região, com o objetivo precípuo e urgente de superar as fragilidades do modelo baseado na fiscalização. Este, sim, exibe gargalos comprovadamente intransponíveis.

Afinal, mesmo depois de 40 anos de fiscalização, autuação e imposição de multas, o desmatamento na Amazônia se mostrou mais persistente que os governos, todos eles.

 

*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal (UFRuRJ), mestre em Política Florestal (UFPR) e doutor em Desenvolvimento Sustentável (UnB).

 

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