quinta-feira, 9 de dezembro de 2021

871 km² de florestas destruídas no Acre em 2021

 * Ecio Rodrigues

Quando a comitiva oficial de gestores e políticos do Acre chegou à COP 26 (encerrada na Escócia em 12 de novembro), ainda não haviam sido divulgados os dados relativos ao desmatamento na Amazônia em 2021 – o que evitou, para dizer o mínimo, muito constrangimento.

Conforme apurado pelo conceituado Inpe, 871 km² de florestas nativas foram destruídas no Acre no período entre 1º de agosto de 2020 e 31 de julho de 2021.

Trata-se de um índice 23% maior do que o computado em 2020, mas, a despeito desse aumento absurdo, o assunto foi ignorado pela imprensa local.

Com respaldo em robusta pesquisa, pode-se afirmar que os perversos efeitos do desmatamento são irreversíveis, ou seja, para a perda de biodiversidade florestal não tem volta. Uma vez feito o estrago, já era!

Decerto haverá quem argumente que boa parte da conversão de floresta em pasto se deu sob a chancela do Código Florestal – o dito desmatamento legalizado.

Além do fato de que a preocupação do resto da humanidade – inclusive dos fundos de investimento que gerenciam o dinheiro do mundo – é com a área total de florestas perdidas, a controvérsia em torno da legalidade/ilegalidade serve apenas para reforçar nossa incapacidade para solucionar o problema.

Nesse ponto, supondo que mais de 50% de toda a extensão de terras desmatadas em 2021 seja resultado de procedimento de licenciamento ambiental, cabe indagar se a sociedade no Acre concorda com a destruição anual de cerca de 400 km² de florestas.

Há muito apresentando estatísticas de geração de emprego e renda abaixo da média observada na Amazônia, o Acre vem chamando a atenção dos que se dedicam ao estudo da dinâmica do desmatamento por conta de duas características singulares: participação não contabilizada de áreas inferiores a 6 hectares no cálculo total de florestas desmatadas; e relação inversamente proporcional entre PIB e destruição florestal.

Enquanto na Amazônia como um todo essa inversão de proporcionalidade ocorre de maneira inusual, no caso do Acre ela tem sido frequente. Mesmo sob retração econômica persistente, os produtores se sentem motivados a investir para ampliar a produção, derrubando a floresta e aumentando os pastos.

A motivação pode vir do discurso de incentivo reiterado pelos governos estadual e municipal e por políticos de todos os partidos; pode vir da disfuncionalidade do mercado imobiliário, que valoriza mais a terra nua, sem cobertura florestal; pode vir do crédito subsidiado fornecido pelo FNO – ou de todas essas condições.

Enfim, ainda não é possível saber ao certo as razões pelas quais o investimento em desmatamento no Acre é tão elevado, recorrente e, o mais grave, parece não depender do comportamento do PIB estadual.

Mais complexo ainda é incluir os roçados no cômputo da superfície total desmatada. O Inpe dispõe de tecnologia de ponta em sensoriamento remoto e georreferenciamento por satélite, no entanto, a aferição de clareiras com menos de 6,25 hectares importa em custos anuais incompatíveis com a disponibilidade orçamentária do órgão.

Na realidade rural do Acre, afastando-se do eixo das rodovias pavimentadas (em especial as BRs 364 e 317), onde se localizam as grandes propriedades ocupadas pela pecuária extensiva, o desmatamento é praticado por colonos dispersos em ramais e, o pior, por ribeirinhos que habitam colocações às margens dos rios.

As evidências indicam que a participação desses produtores na taxa anual de desmatamento é bem maior do que os gestores e os ambientalistas imaginam.

Aferir essa dinâmica pode representar o sucesso ou o fracasso da política pública para, um dia, o Acre chegar a zerar o desmatamento e não se envergonhar perante o mundo.

 

* Professor Associado da Universidade Federal do Acre, Engenheiro Florestal, Mestre em Política Florestal pela UFPR e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela UnB.

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